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Poder e Política: os prefeitos biônicos que marcaram a cidade de São Paulo por 21 anos

Durante 17 dos 21 anos da ditadura militar, a cidade de São Paulo foi comandada por prefeitos que não tinham sido eleitos pelo voto popular, e sim nomeados pelo governador do estado, muitas vezes a partir do aval do presidente da República.

O regime dos generais começou em 1964, mas a fase dos chamados prefeitos biônicos na capital paulista teve início cinco anos depois, com a escolha de Paulo Maluf, e durou até 1985.

Foram sete gestores nesse período, que pode ser lembrado por dois aspectos principais. Um é a marca deixada pelo primeiro desses prefeitos, Maluf, que ergueu grandes obras, assumiu um tom ufanista e influenciou alguns dos seus sucessores.

O outro é a ruptura promovida pelo último desses prefeitos, Mario Covas, o único entre eles que foi nomeado por um governador eleito pela população, Franco Montoro.

Então presidente da Caixa Econômica Federal, o engenheiro Maluf não era o nome preferido do governador Abreu Sodré para assumir a prefeitura, mas tinha o apoio do presidente Costa e Silva. A contragosto, portanto, de Abreu Sodré, assumiu o cargo em abril de 1969, substituindo Faria Lima.

A imagem de tocador de obras se consolidou especialmente devido às intervenções viárias. Inaugurou o Minhocão, trechos das marginais Pinheiros e Tietê e diversos viadutos, como Beneficiência Portuguesa e Dr. Plínio de Queiroz. Nas outras áreas, um dos seus principais feitos foi a abertura do Hospital Municipal do Tatuapé.

Nem só de obras, porém, vivia a administração malufista. Ele presenteou os jogadores e a comissão técnica da seleção de futebol, que tinha acabado de se sagrar campeã mundial no México, com 25 fuscas, episódio que entrou para a história política como símbolo do mau uso do dinheiro público.

“Maluf era alguém de fora da política que conseguiu, graças sobretudo ao apoio do regime militar, construir o que a gente conhece hoje como malufismo, ou seja, um grupo de lideranças políticas influentes que passaram a gravitar em torno dele”, afirma o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, professor da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas).

Secretário estadual de Transportes durante os anos de 1967 e 1968, o também engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz foi designado para a prefeitura pelo governador Laudo Natel e assumiu o cargo em abril de 1971.

A gestão Ferraz não representou, a rigor, um rompimento com o legado de Maluf, mas o novo prefeito adotou uma linha de governo mais racional e deu atenção para outros setores da administração.

Logo no início do mandato, afirmou à revista Veja que São Paulo era uma cidade “até certo ponto clandestina” pela falta de uma boa infra-estrutura de serviços básicos e pelo crescimento desordenado.

Ferraz criou a Emurb (Empresa Municipal de Urbanização), dando, enfim, à cidade um órgão técnico voltado para o planejamento urbanístico. Os gastos de saúde cresceram ao longo da gestão dele, responsável pela inauguração do hospital da Vila Nova Cachoeirinha, entre outras instituições.

Ferraz priorizou a construção da primeira linha do metrô, a Norte-Sul, deixando a obra em fase de testes quando teve que deixar a prefeitura. Estava cada vez mais distante politicamente dos governos federal e estadual –não quis, por exemplo, ingressar na Arena, partido de apoio à ditadura.

Natel o tirou do cargo e escolheu o seu secretário de Planejamento, o economista Miguel Colasuonno, para a função.

Se faltava sintonia entre governador e prefeito na gestão anterior, o alinhamento se tornou inquestionável. Colasuonno estava ao lado de Natel, por exemplo, na inauguração da primeira linha do Metrô, em 1974.

Diferentemente de Ferraz, Colasuonno tinha proximidade com os militares e era um discípulo de Maluf, de quem se manteve aliado nos diversos cargos que assumiu posteriormente.

Prometeu “humanizar a cidade”, mas os gastos sociais caíram durante os dois anos da sua gestão. Por outro lado, levou adiante um plano ambicioso de iluminação pública na periferia e criou dezenas de novas áreas verdes.

Foi da administração Colasuonno o primeiro projeto do poder público destinado a reverter a degradação da região central de São Paulo. As obras com esse objetivo começaram, porém, na gestão do prefeito seguinte, Olavo Setúbal, que assumiu o cargo em 1975.

Dono do Itaú, ele havia se afastado da vida de banqueiro para entrar na política a convite do governador Paulo Egídio Martins.

Em relação ao centro da cidade, Setúbal conduziu uma ampla reforma na praça da Sé, restaurou o edifício Martinelli e, principalmente, criou calçadões para priorizar a passagem de pedestres.

Embora a economia do país estivesse em declínio, comprometendo o orçamento municipal, as despesas de cunho social cresceram na gestão dele. Setúbal ampliou o número de escolas com ensino noturno e inaugurou hospitais, como o do Jabaquara. Além disso, criou parques como Carmo.

Iniciou a construção da linha 3-vermelha e, ao final do seu mandato, transferiu o Metrô para o governo estadual devido à escassez de recursos municipais.

Abriu a prefeitura para o diálogo com movimentos de moradores e grevistas, um contraponto ao tom autoritário das gestões que o antecederam.

Na administração seguinte, o estilo ufanista voltou a prevalecer. Não é difícil entender a razão: Reynaldo de Barros, o prefeito que sucedeu Setúbal, foi escolhido pelo novo governador, Paulo Maluf.

Barros criou projetos como o Programa de Ligação de Água em Unidades Habitacionais Subnormais (Pró-Água), que beneficiaram regiões mais pobres da cidade. Ao longo do seu mandato, o número de creches passou de 25 para 102 unidades, aumento expressivo, mas distante das 300 prometidas.

Foi uma prefeitura também marcada pelos atritos com funcionários municipais e grupos de moradores de baixa renda, como o Movimento de Luta por Creche.

Barros deixou a prefeitura em 1982 para concorrer ao governo do estado pela Arena, mas foi derrotado por Franco Montoro, do MDB.

Depois de dez meses de Salim Curiati na prefeitura, que deu continuidade às iniciativas de Barros, Mario Covas assumiu em maio de 1983. Era uma escolha de Montoro.

Entre os nomes que sucederam Maluf no cargo, Ferraz e Setúbal apresentaram alguns contrapontos à forma de governar alinhada à ditadura. Mas a ruptura mesmo nessa linha de prefeitos nomeados se deu com Covas, segundo o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira

“Não existiam condições de convocar eleição direta para prefeitura naquele momento. Como o Montoro tinha que optar por alguém, escolheu Covas, que fez um governo muito mais de políticas sociais do que de grandes obras, como tinha sido o do Maluf”, diz o professor da FGV.

Em meio a um quadro de restrição orçamentária, Covas dedicou à região central ações de manutenção. As principais obras, como as destinadas ao combate das enchentes, aconteceram nos bairros da periferia.

Ao longo de pouco menos de três anos de gestão, inaugurou 135 creches e 57 unidades de educação infantil. Também reorganizou o sistema educacional do município.

A concessão do passe do idoso enfrentou resistência dos empresários das companhias de ônibus, que ameaçavam paralisar o serviço. Irritado (o temperamento difícil era uma das suas marcas), Covas decidiu promover uma intervenção no transporte público, impondo um recuo aos empresários.

Semelhantes na formação (ambos engenheiros) e bem diferentes como políticos e administradores, Covas e Maluf disputaram a primeira eleição presidencial no período da redemocratização, em 1989. Ficaram, respectivamente, no quarto e no quinto lugares no primeiro turno. O vencedor foi Fernando Collor (então no PRN), que derrotou Lula (PT) no segundo turno.

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