
O prazo para desativação dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil começou nesta semana. Segundo uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a partir desta terça-feira (15), os manicômios judiciários não poderão mais receber internos com a medida de segurança. Essa medida é aplicada a indivíduos que cometeram crimes, mas foram considerados inimputáveis pelo sistema judiciário devido a doenças ou transtornos mentais.
Anteriormente, essas pessoas eram encaminhadas para os manicômios para receber tratamento, já que não podiam ser enviadas para prisões comuns. No entanto, como não havia limite de tempo para internação, muitos acabavam passando o resto de suas vidas nessas unidades. Isso levou à crítica de que esses lugares se tornaram prisões perpétuas. Em resposta a essa situação, com a nova regra, essas pessoas serão avaliadas e preferencialmente receberão atendimento em unidades de saúde, como os Caps (Centros de Atenção Psicossocial). Eles também poderão permanecer com suas famílias ou em residências terapêuticas. As internações ainda existem, mas agora têm duração determinada e avaliações periódicas.
A resolução do CNJ não prevê a soltura imediata dos internos —as unidades deverão ser desativadas até maio do próximo ano. Quando isso ocorrer, os internos terão que ser realocados para outros locais, como residências terapêuticas ou casas de familiares. No entanto, ainda não está claro como isso será feito.
O texto da resolução foi discutido durante dois anos por representantes das áreas de saúde, Ministério Público, Judiciário e Organização Mundial da Saúde. No entanto, ele tem recebido críticas de associações médicas e também na Câmara dos Deputados. Entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) alertaram em uma nota que cerca de 5.800 criminosos seriam soltos com base na resolução do CNJ. No entanto, essas entidades não explicaram a fonte desse número.
De acordo com dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, do Ministério da Justiça, em dezembro do ano passado, havia 1.869 pessoas cumprindo medida de segurança em 27 estabelecimentos no país, o que representa 0,2% da população carcerária. Além disso, outras 750 pessoas estavam em tratamento ambulatorial. Portanto, esses números parecem não corroborar a quantidade mencionada pelas entidades médicas.
Na Câmara dos Deputados, um projeto de decreto legislativo do deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça. Esse projeto tem o objetivo de sustar a resolução do CNJ e agora segue para análise do plenário. O argumento é que o conselho teria ultrapassado sua competência ao criar direitos e obrigações que não estão previstos em lei.
Para os integrantes do grupo do CNJ, a resolução apenas organiza no Judiciário o que já está previsto na Lei Antimanicomial, estabelecendo planos terapêuticos e tratamentos voltados para a reinserção na sociedade, quando possível.
Segundo especialistas, muitas pessoas no Brasil estão em uma situação de prisão perpétua devido ao acesso à medida de segurança, que as direciona para hospitais de custódia, onde podem permanecer por muitos anos. É importante ressaltar que a resolução não visa à impunidade. Criminosos violentos ou em série, como Roberto Cardoso, o Champinha, ou Francisco Costa da Rocha, o Chico Picadinho, não devem ser afetados pela resolução e não terão sua soltura concedida de forma geral.
No entanto, a situação de Champinha é incerta, já que ele está internado em uma Unidade Experimental de Saúde construída em meio à repercussão de seu caso. Quanto a Chico Picadinho, ele está na Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo, e provavelmente permanecerá lá, já que a unidade não é um manicômio e, portanto, não será desativada. Champinha sequestrou e matou um casal em 2003, quando tinha 16 anos, enquanto Chico Picadinho foi condenado por planejar e executar os assassinatos de duas mulheres nas décadas de 1960 e 1970.
Em relação aos crimes cometidos por pessoas em medida de segurança, dados de um levantamento feito pela antropóloga e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), Debora Diniz, em 2011, mostraram que 29% dos homens e 37% das mulheres em manicômios praticavam crimes contra a pessoa, incluindo lesão corporal, tentativa de homicídio e homicídio. Os crimes contra a vida representavam 44% dos casos, seguidos por crimes contra o patrimônio (29%) e crimes contra a dignidade sexual (15%). Esses dados indicam que os crimes são episódicos e isolados e geralmente ocorrem devido à falta de tratamento adequado.
À medida que o prazo para a desativação dos manicômios se aproxima, os órgãos do Judiciário e do Executivo nos estados estão se preparando para essa transição. Em São Paulo, onde há o maior número de internados do país (761) e três hospitais de custódia, a Corregedoria Geral de Justiça está acompanhando o processo em colaboração com as secretarias de Saúde e Administração Penitenciária. Essas secretarias também estão dialogando com outros órgãos relacionados à saúde e à justiça.
É importante ressaltar que um programa semelhante ao das unidades de saúde em Goiás, o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), apresentou uma taxa de reincidência em torno de 5%, enquanto a taxa de reincidência no sistema prisional comum varia de 21% a 38,9%, considerando períodos de um a cinco anos ou mais na prisão, de acordo com um relatório sobre reincidência criminal no Brasil de 2022.
Enquanto as autoridades trabalham para implementar as mudanças e encontrar soluções adequadas para a desativação dos manicômios judiciários, o destino dos internos e a eficácia dessas medidas ainda são pontos de incerteza e, possivelmente, serão objetos de futuro debate.