
Na tarde de hoje, um encontro de grande significado foi realizado na Catedral da Sé, no coração de São Paulo. O local, que é um símbolo de resistência à ditadura, foi escolhido como palco para reunir os desaparecidos – ou melhor, seus fantasmas – de todo o país, com o objetivo de discutir um programa político que visa combater o horror do desaparecimento forçado como prática de Estado. A partir desta construção política, foi decidido que os desaparecidos marchariam até Brasília, em uma marcha política, para reforçar sua causa. No caminho, encontraram figuras emblemáticas, também desaparecidas ou que foram impedidas de ter um enterro digno, como o indígena Sepé Tiaraju, o líder negro Zumbi dos Palmares e Tiradentes, um dos líderes da inconfidência mineira. A importância deste encontro e marcha não pode ser subestimada, pois isso representa uma luta contínua pelos direitos humanos e pelos que foram subjugados pelo regime ditatorial.
“Embora sempre tenham existido desaparecidos políticos, a expressão só passou a definir um ente no imaginário social depois que esse sinistro método de extermínio de dissidentes políticos foi adotado no Sul das Américas, entre os anos sessenta e setenta do século passado. Por meio de aparatos complexos e clandestinos, Estados delinquentes logravam a tripla invisibilidade, de seus crimes, de suas vítimas e da extensão da política de extermínio”, escreve B. Kucinski num posfácio a O congresso dos desaparecidos.
É interessante notar que o romance, classificado, também, na edição como um “drama em prosa”, guarda algumas características teatrais que dão relevo a cenários, como a catedral da Sé, e personagens, algumas nomeadas pelos codinomes da clandestinidade, outras, mais conhecidas do público, pelo nome civil das personagens, como é o caso do deputado federal Rubens Paiva.
O filho de Rubens Paiva, o escritor Marcelo Rubens Paiva, em resenha à Revista 451, afirmou: “O drama em prosa de Bernardo Kucinski ressuscita aqueles e aquelas que não tiveram a oportunidade de desabafar nos minutos finais, fazer um balanço completo, ou até um mea-culpa. Morreram solitários, desenganados, trucidados por animais raivosos.” Na sua opinião, este é o papel do escritor: “O papel do escritor é resgatar, resgatar e resgatar. Desenterrar, realizar autópsias com dados coletados em pesquisa minuciosa, seja através de depoimentos e arquivos secretos, seja pelo senso comum ou, por vezes, fazendo ligações com as informações jogadas em fragmentos, como um quebra-cabeça”, completa.
O crítico Márcio Selligman-Silva, professor da Unicamp que escreveu a orelha da obra, afirma que na obra de Kucinski, “com ironia, personagens históricos e criados se misturam para permitir imaginarmos – criar uma imagem – da ditadura”. Trazendo a reflexão para o presente, ele diz ainda: “Como o período neoditatorial de 2016- 2022 deixou claro com sua glamorização da ditadura, a memória desse período e a memória da barbárie institucional no Brasil devem constituir espinhas dorsais da resistência contra os fascismos que sempre galopam no dorso pútrido do negacionismo”.