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Análise da dinâmica do governo federal em relação ao TCU
Por Flávia Lefèvre *
Nos últimos tempos, tem sido observada uma dinâmica acelerada de ordens e contra-ordens por parte do governo federal em relação ao papel do Tribunal de Contas da União (TCU) na mediação e chancelamento de acordos entre a União e a iniciativa privada. Em menos de um mês, o executivo federal emitiu dois decretos sobre o assunto. No primeiro, datado de 4 de julho, a força do TCU foi reduzida. No entanto, pouco mais de 20 dias depois, houve um recuo e o ato foi modificado, devolvendo o poder de decisão à Corte.
Essa oscilação tem gerado insegurança jurídica e desconfiança sobre as verdadeiras intenções por trás desses acordos. Estamos falando de bilhões de reais pertencentes ao patrimônio do Estado brasileiro. Desde 2023, os acordos aprovados pelo TCU têm possibilitado a transferência de ativos públicos para empresas privadas por valores considerados abaixo do seu real valor de mercado.
A atuação do TCU ocorre por meio da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos, conhecida como SecexConsenso. Embora o objetivo desse órgão seja contribuir para a efetividade das políticas públicas e a segurança jurídica, na prática, tem-se observado resultados que resultam em prejuízos significativos aos recursos públicos. Os acordos têm sido questionados quanto à sua legalidade por autoridades competentes, como o Ministério Público e o próprio órgão técnico do TCU.
Dois casos recentes, envolvendo a Oi e a Vivo, chamaram a atenção. Os acordos foram aprovados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e pelo Ministério das Comunicações.
Na privatização do Sistema Telebrás em 1998, as empresas vencedoras do leilão passaram a explorar ativos da União relacionados às concessões, os chamados bens reversíveis. Com o término das concessões previsto para 2025, tornou-se necessário planejar o destino desses bens, que, segundo a legislação, deveriam retornar automaticamente à União.
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No entanto, a avaliação desse patrimônio ainda gera incertezas. Apesar da exigência legal de um inventário detalhado desses ativos nos contratos, as concessões foram firmadas sem essa documentação adequada.
Somente em 2015, quase duas décadas após a privatização, a Anatel informou, a pedido do TCU, o valor estimado desses bens com base em dados fornecidos pelas empresas: R$121,6 bilhões.
Agora, a Anatel alega uma depreciação desses ativos nos últimos dez anos, reduzindo o valor para R$ 22 bilhões. Além disso, a Agência e o Ministério das Comunicações fecharam acordos de R$ 4,5 bilhões com a Vivo e de R$ 5,9 bilhões com a Oi, as duas principais concessionárias do país, totalizando apenas R$ 10,4 bilhões – montante que servirá de base para compromissos de investimento em infraestrutura pelas concessionárias.
Essa diferença impacta diretamente os esforços de universalização do acesso à banda larga. A legislação do setor estabelece que esses recursos devem ser utilizados em investimentos que promovam a implantação de infraestrutura de rede de alta capacidade de comunicação de dados em áreas carentes de concorrência e na redução das desigualdades.
Embora os acordos com a Oi e a Vivo já tenham sido aprovados pelo TCU, ainda aguardam o parecer da Advocacia Geral da União (AGU), que tem a obrigação legal de impedir a transferência do patrimônio público para o setor privado com base em avaliações inadequadas e sem as contrapartidas exigidas pela Lei Geral de Telecomunicações.
É essencial revisar urgentemente os termos desses acordos já aprovados, dada a magnitude dos prejuízos em jogo. O governo federal precisa esclarecer as mudanças constantes em relação ao papel do TCU e a questões envolvendo bilhões de reais, que não podem ser tratadas com incertezas. A palavra final da AGU sobre os acordos deve ser respeitada, a fim de preservar os interesses em jogo e a institucionalidade do país.
Flávia Lefèvre, advogada, conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil e ex-conselheira da Anatel *
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