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A venda do ‘grude’, bexiga do peixe, lucra milhões no Norte e impulsiona mercado. Movimentação surpreende especialistas.

No último domingo de manhã, a região portuária de Bragança, no Pará, estava tranquila e praticamente deserta. Poucas pessoas circulavam pelas ruas próximas ao mercado municipal, exceto aquelas que já estavam lá desde a noite anterior, se divertindo e ouvindo música em um carro estacionado.

No cais, uma embarcação estava sendo limpada pelos funcionários depois de descarregar a mercadoria na noite anterior. Por volta das 8h, um barco ancorou e cerca de doze pessoas começaram a retirar do porão os peixes. Dezenas de peixes, todos com a barriga cortada e sem as vísceras, chegaram frescos ao local.

Em uma bifurcação entre a avenida principal e uma rua que leva à igreja matriz, uma loja anunciava: “Compra-se grude”. O grude é a bexiga natatória dos peixes, usada na fabricação de cola e em cosméticos. Na China, o produto também é utilizado por suas supostas propriedades medicinais. Essa demanda asiática cria um mercado de milhões de dólares na região norte do Brasil.

Embora a exploração da bexiga natatória não seja proibida, há irregularidades envolvidas nessa prática, desde a pesca por embarcações ilegais até a captura de espécies ameaçadas. A pesquisadora Bianca Bentes explica que a pesca na região é dividida entre a artesanal, de subsistência ou para venda local, e a industrial, voltada principalmente para a comercialização do grude no mercado internacional.

A pesca industrial e a sobrepesca afetam as comunidades de pescadores artesanais, causando escassez de peixes para a subsistência e desequilíbrios ecológicos. Adiel Miranda, pescador de Ajuruteua, relata que “a pesca vem toda do norte do país, e aí eles matam lá e depois não tem mais aqui para nós”.

Além disso, a cadeia de produção do grude pode envolver infrações sanitárias, desde a retirada até a manipulação do produto. Recentemente, mais de 90 kg de grude foram apreendidos na baía do Marajó, avaliados em R$ 252 mil. Um pescador relatou que a retirada da bexiga é feita nas próprias embarcações em alto mar e que o produto já é enviado seco para fora do país.

A reportagem destaca as principais espécies de interesse econômico, como a pescada-amarela e a gurijuba, esta última protegida. Porém, com a depleção desses estoques, muitas embarcações estão buscando outras espécies, como a pescada-gó, para a retirada do grude.

Muitos pescadores são explorados pelos donos das embarcações, que fornecem equipamentos e combustível, mas exigem que eles repassem grande parte da venda ou dos próprios produtos. Miranda destaca que “quem ganha mesmo é o ‘marreteiro’”, enquanto os pescadores ganham pouco.

Em relação às legislações de proteção às espécies e combate à sobrepesca, o Ibama afirma que não há proibição à exploração da bexiga natatória, mas que atua na fiscalização das embarcações irregulares. O Ministério da Pesca e Aquicultura diz que não há embarcações estrangeiras atuando legalmente na costa brasileira, enquanto a Segup destaca que investiu em novas embarcações para fiscalização ambiental.

A reportagem contou com o apoio da Earth Journalism Network.

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