MEC não sabe quantos cursos de medicina serão impedidos de abrir após determinação do STF.

MEC enfrenta dificuldades para cumprir decisão do ministro Gilmar Mendes do STF sobre abertura de cursos de medicina
O Ministério da Educação (MEC) está com dificuldades para encontrar uma forma de cumprir a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que impõe obstáculos à abertura de cursos de medicina.
As empresas de ensino têm interesse na abertura desses cursos devido à estagnação do setor privado na educação superior. Um curso de medicina com cem vagas poderia gerar cerca de R$ 200 milhões em receitas por causa das altas mensalidades e das excelentes taxas de permanência dos estudantes.
A Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), ligada ao MEC, não possui informações precisas sobre quantos processos de abertura de cursos iniciados por meio de liminares judiciais estão em andamento. Além disso, também não há dados sobre quantos cursos estariam na fase inicial de análise, que, de acordo com a decisão do STF, devem ser interrompidos.
A Folha solicitou essas informações ao MEC desde o início da semana passada, porém, não obteve resposta. A Seres é comandada pela professora Helena Sampaio.
A decisão de Gilmar Mendes, proferida no último dia 7, determina que os novos cursos de medicina devem seguir as regras do programa Mais Médicos, criado em 2013. Essas regras incluem o uso de chamamentos públicos para definir os locais onde os cursos serão abertos, com o objetivo de atender às demandas por profissionais médicos.
No entanto, o sistema de chamamentos públicos foi interrompido em 2018, durante o governo de Michel Temer. A retomada desse modelo foi anunciada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva em abril deste ano, por meio de uma portaria. No entanto, até o momento, não foram publicados os editais que definirão os locais específicos para a abertura dos cursos.
Enquanto isso, houve um aumento significativo no número de decisões judiciais que obrigaram o MEC a dar continuidade aos processos de abertura de cursos de medicina. Escritórios de advocacia passaram a se especializar em obter essas liminares.
Segundo a Advocacia-Geral da União (AGU), em março deste ano existiam 223 pedidos de autorização para novos cursos via judicial, o que representa um total de 32.051 novas vagas, além de outros 22 pedidos para aumento de vagas em cursos já existentes.
O MEC não divulgou informações atualizadas sobre quantos desses processos serão mantidos ou interrompidos, nem sobre o total de processos via ação judicial. Em nota, o ministério afirmou que irá cumprir a decisão judicial, mas tem dúvidas sobre a interpretação correta e aguardará a intimação oficial e o parecer da AGU.
A decisão de Gilmar Mendes estabelece que os processos iniciados após decisões judiciais só terão continuidade se tiverem ultrapassado a fase inicial de análise documental. Além disso, as propostas de cursos devem atender aos critérios determinados pela lei do Mais Médicos, como a necessidade social do curso para a cidade.
A discussão sobre a constitucionalidade do sistema do Mais Médicos é o foco da ação iniciada no STF. A Anup (Associação Nacional das Universidades Particulares) defende a continuidade dos chamamentos públicos, argumentando pela constitucionalidade do programa.
Por outro lado, o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub) defende que a abertura de cursos de medicina não se restrinja apenas aos chamamentos públicos, mas também seja possível pelo protocolo tradicional do MEC, no qual todas as propostas são avaliadas.
De acordo com Dyogo Patriota, advogado do Crub, os chamamentos do Mais Médicos não foram capazes de diversificar regionalmente a abertura de cursos pelo país e priorizaram grandes grupos empresariais. Além disso, a interrupção desses chamamentos sob o governo Temer gerou muita insegurança jurídica.
Enquanto esse impasse persiste, o número de vagas em cursos de medicina continuou aumentando, mesmo durante o período de interrupção anunciado no governo Temer. De acordo com a AGU, as vagas passaram de 109.151 em 2018 para 158.017 em 2021.
A portaria do governo Lula indica que, para a abertura de novos cursos, é necessário garantir “equipamentos públicos adequados, suficientes e de qualidade”, ou estabelecer parcerias com hospitais para viabilizar a parte prática do curso.
O Brasil conta atualmente com 502.475 médicos atuando no país, segundo estudo do Conselho Federal de Medicina (CFM) em parceria com a USP. A média de profissionais por mil habitantes é de 2,4, próxima à de alguns países ricos.
Porém, esses números camuflam desigualdades regionais. A presença de profissionais por mil habitantes varia de 3,7 no Rio de Janeiro a 0,8 no Maranhão, de acordo com estudo de 2020 do Conselho Nacional de Educação. Além disso, os números ainda ocultam a concentração de médicos nas capitais.