
É possível um acordo petroleiro entre Venezuela e Guiana?
Claro. A inovação que nos deixou o comandante Hugo Chávez sobre o tema do Essequibo foi a incorporação da Guiana ao programa Petrocaribe, que no princípio era um acordo de distribuição de petróleo da Venezuela aos países do Caribe, mas em perspectiva poderia terminar em um desenvolvimento conjunto, não somente em matéria petroleira, mas também em projetos agrícolas, projetos de minerais, sustentáveis, respeitando o ambiente.
Porque a forma como a Guiana está fazendo as explorações de minerais em territórios florestais são altamente agressivas ao ambiente, sem nenhum tipo de respeito ao ambiente. Em relação ao tema marítimo, que agora é o mais sensível porque é onde encontraram as grandes reservas de combustíveis, a Guiana não tem que apenas resolver problemas conosco, ela tem que resolver problemas com Trinidad e Tobago, com Suriname.
Então o governo da Guiana é muito irresponsável ao outorgar concessões a transnacionais para explorarem áreas que não estão delimitadas e que não são parte de suas fronteiras internas.
O Brasil foi mediador das conversas entre Venezuela e Guiana e a próxima reunião ocorrerá em território brasileiro. Quais são as implicações políticas para o Brasil caso a disputa volte a se acirrar?
Eu acredito que a atuação do presidente Lula tem sido oportuna, porque diante da reivindicação e da mobilização da população venezuelana em torno desse tema a Guiana tinha adotado como resposta uma tentativa de escalada militar, anunciando manobras militares em conjunto com o Comando Sul, inclusive operações aéreas sobre o território.
Nesse preciso momento entrou em jogo o papel do presidente Lula, sempre oportuno, sempre apontando para a integração e a paz entre os povos da América Latina e do Caribe. Ele foi o motor principal para facilitar a reunião que aconteceu em São Vicente e Granadinas e também temos que frisar a disposição das atuais autoridades da Caricom para facilitar essa reunião e conter essa escalada bélica que o Comando Sul e o governo da Guiana pretendiam fazer no território da saída atlântica da Venezuela.
De que forma o Brasil pode conter essa pretensão de militarizar o enclave do Essequibo por parte da Guiana e do Comando Sul?
Com diplomacia, claro. O governo da Venezuela está apostando na diplomacia. A Venezuela nunca viu, em seus governos, a opção militar como viável para recuperar o território do Essequibo, porque nós estamos apegados ao que diz o Acordo de Genebra, somos defensores do acordo.
Quem rompeu o acordo e se colocou à margem dele foi o atual governo da Guiana. O Acordo de Genebra diz precisamente que é preciso encontrar uma solução pacífica, negociada e satisfatória para ambas as partes. Essa é a posição da Venezuela, apegada a um instrumento do direito internacional assinado em 1966 pelo Reino Unido, pelas autoridades coloniais de Guiana, pela Venezuela e com o aval das Nações Unidas.
A presença do Comando Sul na Guiana representa um risco para toda a América Latina e o Caribe. Sinceramente, é algo insólito que os Estados Unidos estejam pensando em gerar ameaças militares no Caribe e no trecho latino-americano do oceano Atlântico. Por isso, o papel do Brasil foi e segue sendo fundamental para evitar operações que, sem dúvida alguma, estão ocorrendo de maneira perigosa na fronteira norte do Brasil.
Você disse que um acordo petroleiro poderia estar na agenda da Venezuela e da Guiana. Seria possível um apoio brasileiro nesse setor através de empresas públicas ou privadas?
Eu não me atreveria a opinar sobre essa questão porque, como você sabe, atualmente não estou no governo. Quando falo em acordos, falo sobre algo que já foi feito nos marcos do programa Petrocaribe, que efetivamente implicava a comercialização e distribuição conjunta em condições de pagamentos preferenciais e a possibilidade do desenvolvimento conjunto em muitas áreas econômicas, como a área de combustíveis, de turismo e agricultura.
Foi talvez o projeto mais avançado de integração do Caribe, sob a liderança do comandante Hugo Chávez. Atualmente, não sei qual é a posição do nosso governo a respeito de possíveis parcerias ou associações com outros países para explorar os recursos no Essequibo.
De todo modo, enquanto não se resolva a controvérsia, tudo deve ser feito de mútuo acordo e isso é um elemento básico do Acordo de Genebra. Tudo o que se decida deve ser feito de mútuo acordo entre os dois governos, incluindo os mecanismos usados para resolver o problema.
Aí está outra falta cometida pela Guiana: ir à Corte Internacional de Justiça sem que a Venezuela estivesse de acordo, porque tem sido uma política do Estado venezuelano há mais de 60 anos não considerar a jurisdição internacional como um mecanismo para resolver o tema do Essequibo. Isso porque foi em um tribunal internacional onde nos roubaram e isso marcou uma postura de princípios do Estado venezuelano de não voltar a um tribunal para resolver algo que um tribunal nos roubou.