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Proposta pioneira de proibição total do aborto foi apresentada ao Congresso Nacional brasileiro em 1949, mas foi engavetada sem discussão.




História do Aborto no Brasil

A História do Aborto no Brasil

No Brasil, o primeiro projeto de lei relativo ao aborto foi apresentado ao Congresso Nacional em 1949. A proposta restringia o direito de as mulheres interromperem a gravidez.

Pelo Código Penal, em vigor desde 1940, somente era permitido o aborto nos casos de gravidez por estupro e de risco de vida para a gestante. O projeto em questão retirava essas duas possibilidades, estabelecendo a proibição total do aborto no país.

A proposta de 75 anos atrás foi redigida por um deputado federal, o monsenhor Arruda Câmara (PDC-PE). Na visão dele, os dois tipos de aborto legal desrespeitavam “a moral católica do povo brasileiro” e abriam a porta para “todos os outros atentados à vida do nascituro”.

Os deputados, no entanto, nem chegaram a discutir o tema. O projeto do padre foi engavetado sem passar por nenhuma comissão da Câmara.

O aborto na legislação brasileira ao longo dos anos

Quem identificou o projeto de lei pioneiro foi Maria Isabel Baltar da Rocha Rodrigues, feminista, socióloga e professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) falecida em 2008.

De acordo com a pesquisa dela, foram 18 as propostas relativas ao aborto apresentadas à Câmara e ao Senado entre 1946 e 1983 — a maioria contrária à interrupção da gravidez.

Apenas em 1971, no auge da ditadura militar, o Senado tratou do tema pela primeira vez. A discussão foi deflagrada pelo senador governista Vasconcelos Torres (Arena-RJ), que escreveu um projeto de lei prevendo a ampliação dos casos de aborto legal.

O projeto estabelecia a legalização do aborto para três novas situações, além das duas já previstas no Código Penal: gestação resultante de incesto (sexo entre irmãos ou entre pais e filhos), risco de o bebê nascer com deficiência física ou mental e grave ameaça à saúde da mãe.

“Tais medidas contribuirão para reduzir as tristes estatísticas de mortes provocadas pela ação ineficiente, incapaz e mesmo criminosa de grande número de parteiras curiosas”, argumentou o senador, referindo-se aos abortos clandestinos, executados por pessoas sem capacitação.

O documento original desse projeto, redigido em máquina de escrever, está hoje guardado no Arquivo do Senado, em Brasília.

A luta pelo aborto legal

Os debates duraram exatamente um mês. Apresentado em 27 de outubro de 1971, o projeto de Vasconcelos Torres passou por duas comissões do Senado. Na Comissão de Constituição e Justiça, o relator foi José Sarney (Arena-MA). Na Comissão de Saúde, Adalberto Sena (MDB-AC). Ambas o rejeitaram. Foi engavetado em 26 de novembro, sem chegar ao Plenário.

O argumento foi o de que, como a ditadura havia criado em 1969, com o Congresso Nacional fechado por força do Ato Institucional nº 5 (AI-5), um Código Penal que ainda receberia contribuições do Senado e da Câmara, o mais sensato seria fazer mudanças no aborto legal durante esse processo.

A Código Penal da ditadura, contudo, jamais entrou em vigor. A lei criminal de 1940, com alterações, vale até hoje.

A psicanalista Margareth Arilha, que é doutora em saúde pública e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População da Unicamp, explica que até meados dos anos 1970 o debate público sobre o aborto foi monopolizado pelos homens.

“Não se permitia a participação da mulher. Ela era mantida numa condição de submissão e como um ser não portador de direitos e, sobretudo, de desejos. O patriarcado era ainda mais forte e hegemônico do que é hoje.”

Segundo Arilha, o interesse masculino estava acima do feminino até mesmo naquele projeto de lei do senador Vasconcelos Torres:

“Ao permitir o aborto da mulher que engravidou após uma relação incestuosa, quem está sendo protegido é, na verdade, o homem que estuprou a irmã ou a própria filha. É interesse dele que o bebê não nasça. Essa é a mesma lógica que o projeto segue ao também liberar o aborto quando o bebê pode nascer com deficiência mental ou física. Afinal, os filhos gerados em relações consanguíneas têm chances mais altas de nascer com alterações genéticas.”

O período de transição e os avanços

Em 1974, o general Ernesto Geisel chegou ao Palácio do Planalto como o quarto presidente da ditadura militar e prometeu que começaria a transição de volta para a democracia de maneira “lenta, gradativa e segura”.

Os movimentos sociais — os feministas entre eles — então puderam se organizar para lutar pelas demandas até aquele momento reprimidas pelos militares.

Foi nessa conjuntura efervescente que o Senado e a Câmara dos Deputados aprovaram em 1977 a Lei do Divórcio e em 1979 a liberação da propaganda de métodos contraceptivos. A partir desta segunda lei, o governo brasileiro enfim deu início às políticas públicas de planejamento familiar.

O aborto, no entanto, não teve o mesmo respaldo. Do Senado, saíram vários discursos de repúdio à ampliação dos casos de aborto legal.

Em 1977, o senador Benedito Ferreira (Arena-GO) lamentou:

“Na pátria do catolicismo, querem legalizar o aborto. Não há crime mais hediondo e covarde do que o perpetrado contra uma criança. É muito triste que a criança, ainda no ventre de sua mãe, tenha cerceada a oportunidade que lhe é dada por Deus de vir ao mundo.”

Em 1982, depois de apresentar um projeto de lei que buscava facilitar a adoção de crianças abandonadas, a senadora Laélia de Alcântara (PMDB-AC) leu um manifesto enviado pelo Movimento em Defesa da Vida apoiando sua proposta e, ao…


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