DestaqueUOL

A trajetória paradoxal da Gazeta Mercantil: referência da economia brasileira liderada por jornalistas de esquerda, sucumbindo à crise financeira evitável.

A incrível trajetória da Gazeta Mercantil

No cenário do jornalismo econômico brasileiro, a Gazeta Mercantil se destacou como o melhor jornal de economia do país na segunda metade do século passado. Sua história é permeada por paradoxos que ajudam a entender o seu sucesso e a sua queda.

Um dos paradoxos mais surpreendentes é o fato de ter se tornado uma referência do capitalismo local graças ao trabalho de jornalistas de esquerda, que lideravam a redação do veículo. Esse contraste entre as ideologias políticas dos profissionais e a temática econômica abordada no jornal é um dos pontos mais intrigantes da sua história.

Outro paradoxo importante é o fato de a Gazeta não ter seguido os seus próprios editoriais, que serviam como uma “bússola de papel” para o empresariado. Essa falta de alinhamento entre discurso e prática acabou contribuindo para uma crise financeira que poderia ter sido evitada.

O livro “Gazeta Mercantil – A trajetória do maior jornal de economia do país”, escrito por Célia de Gouvêa Franco, revela os bastidores do periódico e analisa esses casos contraintuitivos. A autora, que fez parte da equipe da Gazeta por duas décadas, nos oferece insights valiosos sobre a história e as transformações do jornal.

A Gazeta Mercantil passou por três fases distintas. A primeira, mais discreta, marcou o início do veículo, que era basicamente um boletim de mercado, fundado na década de 1920. Foi somente em 1973, durante o “milagre econômico”, que o proprietário Herbert Levy decidiu reformular o jornal, tornando-o o grande periódico de economia que conhecemos nas décadas seguintes.

Porém, a terceira e última fase da Gazeta foi marcada por dificuldades financeiras que culminaram no encerramento das suas atividades em maio de 2009. A dívida deixada pelo jornal ainda não foi completamente quitada, deixando um legado de problemas financeiros.

Apesar das adversidades, a Gazeta Mercantil soube transformar suas limitações em vantagens. Mesmo sem uma gráfica própria e com atrasos na entrega, o jornal mantinha sua relevância graças ao trabalho incansável da redação em buscar informações exclusivas e abordar os temas com diferencial.

Além disso, a influência política do jornal era notável, com um papel crítico durante a ditadura militar. A Gazeta era um contraponto importante ao regime autoritário, exercendo seu papel de vigilância e denúncia em um contexto de restrição à liberdade de expressão.

Um dos pontos altos da atuação política da Gazeta foi em 1978, quando o jornal divulgou um manifesto em defesa da democracia, assinado por empresários influentes, em meio a um cenário de repressão política.

O livro de Célia de Gouvêa Franco revela detalhes curiosos sobre a redação do jornal, destacando a autonomia editorial de figuras como Roberto Müller, que resistiu até mesmo a publicar textos do dono do jornal, alegando parcialidade. A presença de jornalistas de esquerda em cargos de chefia também é um aspecto interessante, demonstrando que o profissionalismo sempre foi priorizado acima das divergências ideológicas.

Apesar do legado da Gazeta Mercantil como celeiro de excelentes profissionais do jornalismo econômico, a má administração e a falta de visão estratégica de Luiz Fernando Levy contribuíram significativamente para o declínio do jornal. A recusa em associar-se ao “Financial Times” foi um dos erros que custaram caro à Gazeta, abrindo espaço para a concorrência do “Valor” e levando ao fechamento do periódico.

O livro de Célia de Gouvêa Franco oferece uma perspectiva única sobre a trajetória da Gazeta Mercantil, revelando os bastidores de um dos maiores jornais de economia do Brasil. Mesmo após o encerramento das atividades do jornal, o seu legado perdura através dos profissionais que passaram pela sua redação e continuam atuando no mercado de jornalismo econômico.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo