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Tortura, repressão e abusos: os 17 anos de ditadura no Chile e os 21 anos de regime militar no Brasil

Chile x Brasil: Ditaduras na América Latina

A América Latina foi palco de inúmeras ditaduras ao longo do século XX, e duas delas, a do Chile e do Brasil, permanecem como tristes marcas na história desses países. Com durações distintas, 17 anos no Chile e 21 anos no Brasil, ambos os regimes tiveram antecedentes políticos e sociais que levaram ao estabelecimento do autoritarismo.

No Chile, a irritação do empresariado chileno e dos Estados Unidos com as medidas adotadas pelo presidente Salvador Allende, como a nacionalização das minas de cobre, a estatização de companhias e a reforma agrária, aprofundaram a crise econômica e a polarização social. Com a recusa do comandante das Forças Armadas em liderar um golpe, Augusto Pinochet assumiu o poder e derrubou Allende.

Já no Brasil, João Goulart, conhecido como Jango, assumiu o poder enfrentando a oposição do Exército, que o via como um agitador comunista. Incapaz de conciliar as demandas por reforma agrária dos movimentos sociais e os interesses dos grupos conservadores, Jango foi deposto pelos militares sem disparar um único tiro.

A interferência dos Estados Unidos nos dois países é um elemento importante a ser considerado. No Chile, essa interferência ocorreu antes do golpe, com o alto investimento americano no país. Após tentarem impedir a vitória de Allende, sem sucesso, os EUA financiaram greves, dificultaram a venda de matérias-primas e treinaram grupos de extrema direita.

No Brasil, os EUA apoiaram a Operação Condor, que criou uma rede coordenada de repressão nas ditaduras do Cone Sul. Embora tivessem conhecimento das violações de direitos cometidas pelo regime brasileiro, os EUA minimizaram esses crimes para justificar a continuidade do apoio.

A estrutura de poder estabelecida por Pinochet no Chile e pelos militares no Brasil também é diferente. No Chile, a ditadura dissolveu o Congresso, aboliu os partidos políticos e restringiu a participação política civil ao Conselho de Estado. Pinochet acumulou os títulos de chefe das Forças Armadas e do Executivo.

No Brasil, foi mantida a aparência de uma democracia, com a rotação de chefes de Estado e um Congresso em funcionamento na maior parte do regime. No entanto, o respeito à separação dos poderes era apenas teórico, uma vez que o Executivo estava armado e, portanto, superior aos demais. Os Atos Institucionais (AIs) foram o principal instrumento de atuação jurídica, totalizando 17 ao todo.

No campo econômico, o Chile adotou a doutrina neoliberal da Escola de Chicago, que defende o Estado mínimo e a livre competitividade. Na prática, isso resultou na privatização da educação, saúde e previdência, além de um enxugamento máximo das contas públicas. No final da ditadura, o poder de compra real do salário mínimo era inferior ao seu início.

Já no Brasil, o regime promoveu uma modernização da economia, resultando no chamado “Milagre Brasileiro”. Entre 1967 e 1973, a economia brasileira cresceu em média 10,2% ao ano. No entanto, a atenção não foi dada à distribuição de renda, resultando no aumento da desigualdade. Esse crescimento foi interrompido em 1979, com a segunda crise do petróleo.

A repressão também teve características distintas nos dois países. A ditadura chilena foi uma das mais brutais da América Latina, com a polícia secreta de Pinochet, a Dina, sequestrando opositores e os levando para campos clandestinos para torturá-los e assassiná-los. Além disso, o regime utilizava a censura, a propaganda e a vigilância para controlar o fluxo de informações e monitorar dissidentes.

No Brasil, a repressão foi estruturada gradualmente, principalmente a partir de 1968, com o AI-5. Esse aparato incluía prisões, tortura e assassinatos, além de censura e espionagem. O regime contava com o apoio financeiro de parte do empresariado.

A oposição, por sua vez, também teve características diferentes nos dois países. No Chile, a oposição político-partidária foi praticamente exterminada, com líderes de esquerda sendo exilados ou desaparecendo forçadamente, e o movimento sindical sendo desarticulado. A resistência, portanto, partiu principalmente do operariado, dos movimentos guerrilheiros e da Igreja Católica.

No Brasil, a oposição, mesmo que tímida a princípio, foi formada principalmente por grupos de esquerda armada. No entanto, a imprensa e a classe artística também se tornaram vozes de dissidência. A oposição ganhou força ao longo do tempo e pressionou por uma transição democrática.

A abertura política nos dois países ocorreu de maneiras distintas. No Chile, a grave crise econômica de 1972, com inflação, desemprego e queda do PIB, levou os partidos a retornarem gradualmente à atividade política direta. Em 1988, a população decidiu encerrar o regime em um plebiscito previsto na Constituição outorgada oito anos antes.

No Brasil, a abertura foi proposta pelo general Ernesto Geisel, que assumiu o poder em 1974. No entanto, a tentativa de controlar o processo foi minada por disputas internas no Exército e pelo fortalecimento da oposição. Em 1984, o movimento pelas eleições diretas para presidente ganhou ampla adesão popular, mas acabou fracassando. No entanto, em 1985 houve a eleição indireta de candidatos oposicionistas e o fim da ditadura.

A relação com a memória também difere nos dois países. No Chile, uma comissão foi criada para investigar violações de direitos humanos assim que a democracia foi restabelecida, em 1990. No entanto, a lei concedida pelo regime impedia o julgamento de muitos dos autores dos crimes. Somente em 2000 o Judiciário deixou de usá-la para arquivar casos e juízes foram nomeados para investigar os crimes.

No Brasil, a Comissão Nacional da Verdade foi instituída tardiamente, em 2012. O relatório final foi publicado em meio à crise política e econômica de 2014, mas nenhuma das medidas recomendadas foi assumida como política de Estado. Até hoje, os crimes cometidos no período são tratados como tabu nas Forças Armadas.

Assim, as ditaduras no Chile e no Brasil deixaram marcas profundas na história desses países. Embora tenham diferenças significativas, como a forma de repressão e a abertura política, ambas tiveram impactos duradouros nas sociedades e na memória coletiva. A compreensão e a reflexão sobre esses períodos são fundamentais para garantir que esses episódios não se repitam.

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