Faz tempo, o juiz Sergio Moro ainda não era um campeão nacional com a Lava Jato, que encarnaria as aspirações gerais, encarcerando empreiteiros larápios.
Julgava-se um habeas corpus e o ministro Gilmar Mendes disse o seguinte: “O juiz é órgão de controle no processo criminal. Tem uma função específica. Ele não é sócio do Ministério Público e, muito menos, membro da Polícia Federal”.
Isso aconteceu em maio de 2013. Gilmar Mendes condenava o comportamento de Moro.
Num exercício de passadologia, imagine-se que Gilmar e dezenas de advogados que criticavam a conduta de Moro tivessem prevalecido.
Os excessos da Lava Jato teriam sido contidos. O juiz de Curitiba ficaria no seu quadrado e não viria a ser ministro de Bolsonaro. O Ministério Público teria calçado as sandálias da humildade e tudo correria dentro da normalidade e dos ritos judiciais.
Se as coisas tivessem corrido assim, 11 anos depois, o Supremo Tribunal Federal não viria a anular penas impostas a delatores confessos. A Lava Jato não terminaria como terminou.
Passaram-se 11 anos da fala de Gilmar e, com outras características, a onipotência reapareceu. Os repórteres Fabio Serapião e Glenn Greenwald expuseram mensagens trocadas em 2022 por dois servidores (um deles lotado no gabinete de Alexandre de Moraes).
Fora dos ritos judiciais, combinavam ações do TSE para abastecer processos do STF. Iam de combate à divulgação de notícias falsas a ameaças contra Moraes. Coisa de partidários de Jair Bolsonaro.
As impropriedades não saíram do texto dos repórteres, mas sobretudo de falas do juiz Airton Vieira, assessor de Moraes no Supremo.
Por exemplo: “Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato”.
Ficou chato. Moraes blindou-se e defendeu as condutas.
Nos dias seguintes, o ministro foi defendido pelo presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, por Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, mais o procurador-geral Paulo Gonet. Como era de esperar, entraram no bloco ministros de Lula.
A defesa de Moraes assemelhou-se a uma carga dos elefantes cartagineses. Todos exaltaram as reais virtudes do ministro, a que se deve a normalidade da eleição de 2022. (Se Alexandre Moraes não tivesse ameaçado prender Silvinei Vasques, sua Polícia Rodoviária continuaria bloqueando eleitores no Nordeste.)
A cadeira de Alexandre
Os bolsominions podem tirar o cavalo da pista. Circular abaixo-assinados ou apresentar projetos de impedimento do ministro Alexandre de Moraes servem para fazer espuma, mas irão para as gavetas.
Essa realidade poderá mudar com a eleição de 2026. A bancada bolsonarista tem hoje pelo menos 13 senadores.
Se essa bancada conseguir crescer, é quase certo que um ministro do Supremo vá para a guilhotina. Mesmo assim, Moraes não está na frente da fila.
Sem dúvida, mas, como era o caso de 2013, lhes é garantido o respeito aos ritos do Judiciário.
Foi exemplar a fala de Cármen Lúcia, atual presidente do TSE. Elogiou Moraes e seu papel na última eleição e deixou uma lição: “Todas as condutas dos presidentes devem ser formais para garantir a liberdade do eleitor”.
(Uma boa parte dos ministros do STF ficou em silêncio, mas essa é outra história.)
O Supremo virou vidraça. Mete-se onde não deve e uma maioria apertada de seus ministros enfeitam farofas internacionais levando escoltas para o circuito Elizabeth Arden. Outro bloco defende qualquer conduta dos colegas.
Esse é o jogo jogado, mas é um mau jogo. O combate à corrupção perdeu vigor pela onipotência da República de Curitiba e da blindagem que lhe foi dada, inclusive pela imprensa.
O combate às mentiras e armações do bolsonarismo perdeu com a blindagem dada a Alexandre de Moraes.