
Ações afirmativas para candidatos negros e indígenas nos concursos da magistratura, como as criadas para o novo exame nacional da magistratura, são vistas como necessárias, mas o formato da avaliação precisa ser revisto para se aumentar o número de aprovados desses grupos, apontam especialistas ouvidos pela Folha.
Segundo eles, medidas como notas de corte diferenciadas e reserva de vagas são ações que se complementam para incentivar a aprovação desses candidatos. Porém ainda há gargalos em etapas do processo de seleção que impedem negros e indígenas de passarem em determinadas fases.
Como política de incentivo, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovou em novembro a criação de uma nota de corte reduzida para negros e indígenas na nova prova para ingresso no Judiciário —o certame será pré-requisito para os concursos da área.
Os candidatos que se autodeclararem assim serão considerados aprovados se obtiverem ao menos 50% de acertos na prova objetiva. Para os demais, serão considerados ao menos 70%.
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Para Júlio César Silva Santos, diretor de comunicação do Instituto Luiz Gama, a decisão do CNJ é assertiva no sentido de trazer equidade no quadro de magistrados. “É necessária a ampliação da diversidade nos tribunais para que as decisões sejam mais equilibradas.”
A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) afirmou que “apoia as políticas de inclusão e diversidade na magistratura e medidas que busquem aumentar a representatividade na classe, o que fortalece os princípios de igualdade e mérito no sistema Judiciário, contribuindo para uma magistratura mais capacitada e representativa”.
Chiara Ramos, presidente da ONG de equidade racial Abayomi Juristas Negras, também avalia a nota de corte diferenciada como necessária. “Porque historicamente as vagas que são destinadas nos concursos de magistratura a esse público não vêm sendo preenchidas.”
No entanto ela afirma que a unificação do exame precisa ainda ser melhor discutida, pois a criação de mais uma etapa no processo de seleção pode significar mais uma despesa financeira para os candidatos.
Ela sugere que o exame nacional substitua a primeira fase do concurso. Com isso, o aprovado na prova ficaria habilitado por dois anos para fazer as outras fases —prova dissertativa, prática e oral.
“Isso, sim, traria benefício para a nossa população. Porque diminuiria o nosso custo, principalmente, para ficar se deslocando de estado para estado para realizar as primeiras fases.”
O procurador federal Paulo Fernando Soares Pereira também avalia ser interessante que o exame substitua a primeira etapa. Essa foi, inclusive, a sugestão que ele fez ao CNJ por meio de um memorial.
Para ele, o acréscimo de uma fase na seleção será mais um obstáculo para candidatos negros e indígenas enfrentarem. Além disso, ele diz que as instituições têm pecado na promoção da diversidade. “São medidas cosméticas que não vão solucionar o problema”, afirma.
Especialistas dizem que a redução da nota de corte apresentada pelo CNJ pode também ser um caminho para ajudar a preencher a cota de 20% de vagas reservadas para candidatos negros.
Como a Folha mostrou, só 2 em cada 5 vagas para negros foram preenchidas nos Tribunais de Justiça dos estados —e nenhuma nos Tribunais Regionais Federais.
Para acompanhar o resultado da ação afirmativa, a reportagem analisou 32 concursos concluídos desde junho de 2015, quando o CNJ aprovou a norma.