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Os muitos tons de laranja que tingiram o céu ao cair da noite, espelhando a terra vermelha que castiga a garganta e o nariz com a secura, lembraram que não estamos num festival de São Paulo ou de outra metrópole. É o João Rock, em Ribeirão Preto, a cerca de 325 quilômetros de distância de São Paulo.
A estrutura do evento, que chegou à 22ª edição neste sábado, é parecida com a de um Lollapalooza ou The Town. Durante pouco mais de de 12 horas, quatro palcos receberam shows simultâneos de quase 50 cantores, além de tirolesa, roda-gigante, bungee jump, balão e os atrativos que vão além da música.
A diferença é que todos os artistas são brasileiros e, mesmo assim, o festival conseguiu esgotar os seus 70 mil ingressos —o mesmo público que costuma ocupar o Autódromo de Interlagos, a casa dos maiores festivais paulistanos.
É um feito que tem se tornado raro, depois de um Lollapalooza com atrações que não empolgaram tanto e não esgotaram as entradas e do cancelamento de duas megaturnês, de Ludmilla e Ivete Sangalo.
A maioria do público, segundo os organizadores, veio da capital paulista, e apenas 20% eram de Ribeirão Preto. O que então teria levado quem já tem uma oferta ampla e diversa de festivais em São Paulo a uma viagem para o interior?
Talvez aquele que é, ao mesmo tempo, um dos pontos altos e fracos do evento —a escalação de seu line-up, que compreensivelmente pode ser visto como um antiquário, sem muita preocupação em pescar tendências ou inovar, mas para outros é o que faz o ingresso de R$ 400 mais os custos de uma viagem valerem a pena.
É verdade que nos últimos anos a curadoria do João Rock está arejando a programação, com a criação, por exemplo, de um palco dedicado ao rap e ao trap, o Fortalecendo a Cena, onde desta vez tocaram nomes como Veigh, Teto, Wiu e Ebony.
Houve ainda nomes inéditos nos palcos do João Rock, embora sejam velhos conhecidos do público, caso do grupo Novos Baianos e de Marina Lima, Ney Matogrosso e Djavan, que reuniu uma das maiores plateias, que no entanto não sabia cantar nem metade das músicas junto.
Marina Sena, por sua vez, liderou o grupo dos novinhos, reprisando a apresentação do ano passado com seu último disco, “Vício Inerente”.
Acontece que, por melhores que tenham sido as performances desses artistas, a impressão é a de que a maior parte do público estava ali para assistir às figurinhas repetidas do João Rock, que se apresentam quase todo ano.
Prova disso foi o show do Paralamas do Sucesso. Não houve quem ficasse parado ou de boca fechada ao som de Bi Ribeiro, João Barone e Herbert Vianna. O trio emendou um hit atrás do outro, todos cantados a plenos pulmões pela plateia de dezenas de milhares de pessoas, das mais alegres, como “Óculos”, às mais melancólicas, caso de “Lanterna dos Afogados”.
Situação parecida aconteceu com o CPM 22, que se apresentou em seguida, incendiando a plateia logo ao abrir o show, com “Um Minuto Para o Fim do Mundo”, sob os vocais intactos de Fernando Badauí, que não precisou recorrer a saudações repetitivas à plateia para gerar entusiasmo.
Samuel Rosa, que subiu ao palco sozinho pela primeira vez, após o fim do Skank, que encerrou as atividades no ano passado, não deixou de fazer como o festival e apostar no que é certo.
Em vez de aproveitar a oportunidade para divulgar seu álbum solo, “Rosa”, que deve ser lançado no fim do mês, o mineiro cantou apenas uma música do novo projeto, a explicativa “Segue o Jogo”, e preferiu montar sua apresentação a partir de sucessos incontornáveis, como “Vamos Fugir” e “Jack Tequila”.
Já de madrugada, por volta das 2h, o evento foi encerrado sob aplausos por Emicida e Pitty, que se apresentaram juntos, revezando-se no palco para cantar alguns de seus sucessos e dividindo o microfone em outros deles.
Assim, no João Rock, foram as figurinhas repetidas as que mais brilharam, fazendo todo show virar um grande karaokê a céu aberto, com um público que voltou, mesmo que só por algumas horas, aos dias mais felizes e menos problemáticos da adolescência, sem parecer medo de parecer “cringe”.
Se por um lado o entusiasmo ainda possa ser insuficiente para dizer que o rock está vivo, por outro é plausível afirmar que ele talvez não esteja tão morto quanto parece. Embora não esteja no topo de nenhuma parada nas plataformas de streaming, ainda reúne, entre a ressaca dos grandes festivais e turnês, numa cidade interiorana, 70 mil pessoas. Não é pouco.
O jornalista viajou a convite do festival