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Kissinger: um buraco negro historiográfico que concentra a atenção de historiadores, jornalistas e críticos da política externa dos EUA.



Um Gênio da Diplomacia ou um Mestre da Conveniência?

Por Raul Chiliani

Kissinger descobriu antes da maioria dos seus colegas que a fama é o trunfo definitivo na vida americana. A sua posição permitia-lhe, por vezes, falar com menos eufemismos do que o resto do establishment. Em vez de simplesmente negar o bombardeio ilegal do Camboja, Kissinger expôs com muita frieza a sua lógica, como uma resposta norte-americana pela utilização do país por Hanói para as suas linhas de suprimento, ao mesmo tempo em que afirmava que isso tinha acelerado o processo de paz. O que Kissinger mais admirava na diplomacia eram manobras inesperadas. Talvez a sua jogada favorita na história da diplomacia europeia tenha sido as negociações matrimoniais de Bismarck – que Kissinger admirava muito mais do que Metternich – para conseguir a mão de Johanna von Puttkamer. Lidando com um possível sogro pietista, que não via com bons olhos o jovem atrevido, Bismarck agarrou Johanna em frente ao pai dela e deu-lhe um beijo, tornando as núpcias um fato consumado.

No entanto, apesar de todas as jogadas surpreendentes que Kissinger viria a celebrar na sua própria carreira (o “roque” da China e da União Soviética foi ideia de Nixon), ele era mais conhecido pela sua absoluta convencionalidade em praticamente todas as questões de política externa. Nunca apareceu sob um ângulo enviesado como Kennan. O seu método característico era encontrar razões ocultas para o que o Estado já estava fazendo: Bósnia; a Guerra do Iraque (com base na violação da zona de exclusão aérea por Saddam Hussein e não nas armas de destruição em massa); no início deste ano, em uma típica reviravolta, ele até endossou a entrada da Ucrânia na OTAN.

Na galeria dos guerreiros da Guerra Fria, uma das características que de fato distinguia Kissinger era a sua atitude em relação ao Terceiro Mundo, que chegou a considerar uma ameaça maior do que a União Soviética. Kissinger sentia-se à vontade na rivalidade entre as duas potências – todos aqueles almoços agradáveis com Dobrynin! – mas a perspectiva de as nações do Sul utilizarem a riqueza do petróleo para se modernizarem e desafiarem a ordem liderada pelos EUA era intolerável.

Como é que Kissinger se tornou um buraco negro historiográfico tão ávido, sugando a atenção de historiadores, jornalistas e críticos da política externa dos EUA de todos os outros cantos, concentrando-os numa única figura? Uma das razões é o fato de Kissinger ter sido um dos primeiros produtos da academia meritocrática do pós-guerra a ascender a tal patamar.

Mais importante do que a lógica acadêmica, porém, era a compreensão de Kissinger dos pontos fracos do corpo de imprensa norte-americano. Mestre em lisonjear os jornalistas, ou em aborrecê-los quando necessário, ele estava nos seus melhores momentos quando os outros estavam mais desorientados: nas entrevistas improvisadas, na enxurrada de perguntas no palanque de uma coletiva.


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