DestaqueUOL

O desafio político de Lula diante das agências de classificação de risco e o impacto no cenário econômico brasileiro



“O mercado e as agências avaliativas: uma análise política sobre o governo”

As minudências da avaliação da agência estão em todo canto, inclusive em páginas do UOL. A minha angulação aqui é de natureza política. Lula foi implacavelmente vesgastado pelos tais “Mercáduz” e por seus porta-vozes mais enfezados desde novembro do ano passado, quando negociava a PEC da Transição. Anteviam-se coisas verdadeiramente diabólicas. Ignorava-se que uma determinada leitura de mundo havia ganhado a eleição, e não era a de Jair Bolsonaro. O petista não tinha como manter no lixo o Minha Casa, Minha Vida e o Farmácia Popular, entre outros programas sociais, para tentar fazer superávit primário.

Quando se aprovou o arcabouço fiscal, com a perspectiva de déficit zero no ano que vem — e será, com efeito, difícil atingi-lo —, a reação ao esforço anunciado por Haddad para recuperar receita ou para fazer super-rico pagar imposto foi de descrédito, não raro acompanhada de sarcasmo. O ministro não conseguirá devolver aos cofres tudo o que lhes foi arrancado ou tributar todas as operações moralmente tributáveis, mas tem sido muito mais bem-sucedido do que se apostava.

VOZ DA PRUDÊNCIA
Prestem atenção — e não digo isto com olhos de censor ou de bedel, como a querer a puxar a orelha da turma. Esse tal ambiente de mercado vive de apostas, de jogo de influências, de risco. O governante tem, é certo, de ficar de olho nos peixes e nos gatos, na certeza de que não pode entregar aos bichanos o comando da política econômica. Agências de classificação de risco também podem errar, é claro. Mas, é fato, desde junho, a S&P, por exemplo, vê a economia brasileira, a despeito das dificuldades, com olhos mais otimistas do que os “analistas” nativos que estão sendo consultados todos os dias.

Felizmente, os sensatos também falaram. Nesta terça, dia 19, leio no Valor:
“O presidente do conselho de administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, afirmou que o Brasil tem condições de ter um 2024 ‘muito bom’, embora alguns prognósticos ainda possam estar ‘em construção’. A gestão do banco mostrou otimismo com o próximo ano ao falar com jornalistas ontem.
Para Trabuco, a aprovação da reforma tributária foi um ganho de gestão, que deve ter impactos ao longo dos próximos anos, especialmente na indústria. Quando questionado sobre a possibilidade de uma reforma administrativa, ele disse que a proposta deve estar sempre no gerúndio, ou seja, nunca está terminada. ‘O Brasil voltou ao grupo das dez maiores economias do mundo e, com pouco esforço, vai para o oitavo lugar’, afirmou, acrescentando que o investidor estrangeiro também está com uma visão melhor em relação ao Brasil.”

Sempre leio e ouço com atenção o que diz Trabuco porque não está entre aqueles que buscam holofotes ou saem por aí a baratear o caos. Quem ocupa uma função como a dele se impõe comedimento e realismo. Gosto em especial de sua avaliação algo reticente sobre a reforma administrativa. Hipotecar o futuro do Brasil à sua aprovação corresponde a produzir mau diagnóstico e prognóstico errado. Estará sempre em construção. E assim é porque a política existe. Lula não governa sozinho. Escrevo de outra forma: o Executivo é só parte do governo. A LDO aprovada pelo Congresso nesta terça prevê nada menos de R$ 48 bilhões em emendas — na prática, ainda que se negue, são todas impositivas. É difícil lidar com essa equação. E, no entanto, as coisas estão se movendo.

FOSSE SÓ NO PAPEL, DARIA ERRADO
Querem saber? Caso se coloquem no papel todos os ingredientes para produzir o bolo da governabilidade, o apressado dirá que o resultado será uma gororoba intragável. Elege-se um presidente de viés inequivocamente progressista para governar um país que tem o Congresso mais reacionário da história, num ambiente de Forças Armadas que passaram por um nefasto processo de politização. Esse país assistiu a uma tentativa de golpe de estado, com uma sociedade supostamente rachada ao meio. De quebra, há um mercado hostil ao viés social do mandatário, que tem de lidar com bagunça arrecadatória, motivada por renúncias fiscais alopradas, isenções injustificadas e malandragens que resultam em sonegação descarada. Conclusão: isso não funciona.


Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo