Banco do Brasil é investigado pelo MPF por envolvimento no comércio de escravos durante o século XIX.

Uma das maiores e mais antigas instituições públicas do Brasil, o Banco do Brasil (BB), tornou-se alvo de uma investigação que alega seu envolvimento no comércio de escravos durante o século XIX. Pesquisadores de 14 universidades brasileiras e americanas elaboraram um extenso estudo, enviado na sexta-feira (3) ao presidente do BB, Tarciana Paula Gomes Medeiros. O documento faz parte de um inquérito civil instaurado pelo Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro.
O ofício, assinado pelo procurador da República Julio José Araujo Junior, solicita que o banco se manifeste no prazo de 15 dias sobre o conteúdo do estudo, que foi apresentado em uma reunião entre procuradores, pesquisadores e representantes do BB no fim de outubro. Ministros dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial também estiveram presentes no encontro, no qual ficou acordado que o MPF encaminharia o estudo ao banco.
O estudo contextualiza que o BB foi criado em 1808, refundado em 1853, após a Lei Feijó de 1831 que proibiu o tráfico de escravos. No entanto, o levantamento aponta que mesmo após tal proibição, ainda houve circulação ilegal de escravizados, estimando-se que mais de 900 mil africanos tenham sido importados por contrabando.
Os pesquisadores alegam ter encontrado evidências de vínculos diretos entre traficantes e o capital investido em ações do Banco do Brasil. Além disso, afirmam que a instituição se favoreceu economicamente da escravidão, por meio de dinâmicas de circulação de crédito ligadas à propriedade escrava. Concluem que “parece não haver dúvidas que boa parte do capital que constituiu o maior banco do Império era oriundo do tráfico e dos negócios da escravidão”.
A pesquisa também aponta que grandes acionistas e diretores da instituição eram ligados diretamente à propriedade de escravos. Um dos casos citados é o de José Bernardino de Sá, um dos maiores traficantes do Atlântico Sul, e também o maior acionista individual do banco. Entre os nomes com ligação corporativa com o Banco do Brasil, a pesquisa cita também João Pereira Darigue Faro, vice-presidente da instituição em 1855, e João Henrique Ulrich, diretor em 1853.
O procurador da República, Julio Araujo, ressalta que o inquérito não é apenas uma preocupação com o passado, mas também uma questão presente e futura relacionada ao racismo. Ele afirma que o MPF já se reúne com ativistas do movimento negro em busca de ideias de reparação a serem oferecidas pelo banco à população afrodescendente.
A existência de tal inquérito já está sendo amplamente divulgada pela imprensa e recebeu manifestações de especialistas e membros da sociedade civil. Humberto Adami, vice-presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, alega que iniciativas como essa proporcionam a revisão do passado brasileiro e abre a possibilidade de investigar e afastar a prescrição do lucro que as empresas centenárias tiveram com a escravidão.
Em meio a todo esse cenário, o Banco do Brasil divulgou um comunicado em seu site, no qual lamenta o envolvimento da instituição com a escravidão e reforça ações que valorizam o trabalho de historiadores. O banco ainda ressalta que abolicionistas de destaque no cenário nacional, como Rodrigo Augusto da Silva e Affonso Pena, podem ter feito parte do seu quadro acionário.
Em suma, em meio a crescentes debates e movimentações sociais relacionadas ao racismo e à escravidão, o inquérito do MPF contra o Banco do Brasil parece ser um sinal de que importantes discussões acerca das injustiças históricas estão sendo retomadas, com a busca por reparação junto à população afrodescendente. A investigação também promete acirrar os debates sobre a história do Brasil e seu papel na economia e na sociedade escravista, com potenciais impactos nas esferas jurídica e política nos próximos anos.