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A Nova Rota do Tráfico: Como a Produção e o Cultivo de Cocaína Estão se Expandindo para a América Central e o México.

Esta reportagem faz parte do #NarcoFiles: A Nova Ordem do Crime, uma investigação jornalística transfronteiriça sobre o crime organizado global, suas novas estratégias, suas ramificações e aqueles que o combatem. O projeto, liderado pelo Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) em parceria com o Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP), começou com o vazamento de e-mails do Ministério Público da Colômbia que foram compartilhados com a piauí e outros veículos de mídia ao redor do mundo.

Jornalistas examinaram e confirmaram as informações juntamente com centenas de outros documentos, bancos de dados e entrevistas. Colaboraram com esta reportagem Jonny Wrate (OCCRP), David Espino (El Universal), Jody García (Plaza Pública), Angélica Medinilla (Agencia Ocote), Enrique García (Ojoconmipisto), Víctor Méndez (Narcodiario), Arthur Debruyne, Yelle Tieleman (Follow the Money), Brecht Castel (The Knack) e Juanita Vélez.

Espremido entre densas matas e lavouras de café de Costa Grande, no sudoeste do México, o vilarejo de El Porvenir parece, à primeira vista, abandonado. Tem poucas casas, ruas desertas e uma quadra de basquete vazia, tostando debaixo do Sol. É uma região pacata, historicamente habitada por cafeicultores, mas que se transformou nas últimas décadas. Nos anos 1990, quando a cotação do café despencou em todo o mundo, a renda de quem trabalhava nas lavouras despencou junto, afetando todo o ecossistema econômico da região.

Para sobreviver, os moradores de El Porvenir passaram a plantar coco e manga. Em pouco tempo, no entanto, descobriram que os cultivos mais lucrativos eram os ilegais: mais especificamente, maconha e papoula. Com essa dupla, fizeram seu ganha-pão durante décadas. Até que uma nova oscilação nos mercados mudou tudo.

A popularização do fentanil, um opioide sintético, vem reduzindo a demanda por papoula nos Estados Unidos, principal mercado dos agricultores mexicanos. O preço do ópio caiu, consequentemente, forçando os moradores de El Porvenir a buscar uma nova fonte de renda. Coincidiu que, na mesma época, facções criminosas começaram a se instalar na região para tentar um novo investimento: a plantação de folha de coca. O cultivo, que pode ser usado para produzir cocaína, tem alta lucratividade.

Os agricultores rapidamente aderiram ao plantio. “É uma nova economia: a diversificação dos cultivos ilícitos”, diz Arturo García Jiménez, líder comunitário de El Porvenir. A maconha, que não deixou de ser cultivada, agora convive com um número crescente de hortas de coca. Das 171 plantações de folha de coca destruídas pelas autoridades mexicanas nos últimos quatro anos, 158 ficavam em Costa Grande, no estado de Guerrero. A maioria foi encontrada em ejidos, como são chamados os terrenos de propriedade comunitária como El Porvenir.

A violência também explica a rápida expansão dos negócios. Os grupos criminosos, que controlam todas as etapas do cultivo de coca, impõem ao vilarejo o lema plata o plomo (dinheiro ou chumbo). Em outras palavras: ou você coopera, ou você morre. Moradores são coagidos a entrar na linha de produção. Segundo García, os traficantes não se importam com a qualidade, e sim com a quantidade. “O que eles querem é produzir e produzir.”

A história de El Porvenir é exemplar de uma transformação que está em curso na rota internacional do tráfico. Países da América Central, como México, Guatemala e Honduras, que antes serviam apenas de entreposto para traficantes, tornaram-se produtores de cocaína em larga escala, disputando mercado com grupos tradicionais da Colômbia e das regiões andinas de Peru e Bolívia.

Essa nova realidade foi revelada por documentos vazados da Procuradoria-Geral da Colômbia, aos quais a OCCRP (Organized Crime and Corruption Reporting Project) teve acesso. A investigação, parte do projeto #NarcoFiles, mostra que autoridades colombianas já se depararam com traficantes de Bogotá movimentando lotes de cocaína guatemalteca. A mudança se deve a vários fatores. O principal deles é a fragmentação dos grandes grupos que, até pouco tempo atrás, controlavam a cadeia de produção da cocaína na América Latina.

O desarmamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), depois do acordo de paz selado com o governo colombiano em 2016, abriu um grande mercado para grupos criminosos. Pequenas facções, muitas delas dissidentes das próprias Farc, passaram a atuar de maneira independente. Com o endurecimento da fiscalização na Colômbia, parte desses grupos transferiu suas operações para os países caribenhos. Em março deste ano, o delegado de Corrales, ejido situado a 15 km de El Porvenir, relatou ao jornal mexicano Milenio que toda a população de uma de suas comunidades fugiu depois que traficantes passaram a sequestrar moradores para intimidá-los. Três pessoas já tinham desaparecido. O jornal atribuiu esse métodos bárbaros à expansão, naquela região do México, da facção A Família Michoacana, conhecida por executar e decapitar adversários.

Depois que os moradores fugiram, os militares mexicanos destruíram quase um hectare de coca no ejido, segundo dados obtidos pelo OCCRP. Em El Porvenir, o Exército fez uma operação contra as plantações de coca em setembro do ano passado. Um cafeicultor local, que pediu para não ser identificado na reportagem, contou que o vilarejo “estava cheio de soldados” e que drones sobrevoaram suas cabeças durante a operação. Quando os militares foram embora, diz ele, os camponeses simplesmente replantaram os pés de coca. “A plantação vai ficar”, garantiu García, o líder comunitário. “A destruição que o Exército está fazendo é simbólica em comparação com o território cultivado.”

A prosperidade da coca em El Porvenir é um exemplo do que os especialistas chamam de “efeito balão”. Quando as autoridades endurecem a fiscalização em um lugar, a produção de cocaína simplesmente se move para outro, assim como o ar num balão. A pacificação das Farc, grupo que chegou a controlar 40% do comércio global de cocaína, não fez encolher o tráfico – ele apenas mudou de mãos. A fragmentação do grupo rebelde criou o que a agência antidrogas da ONU descreve como um “mercado livre”, mais competitivo, diversificado e compartimentado. Nesse processo, a América Central entrou no circuito.

“Há um vácuo no mercado que afeta não só a Colômbia”, diz Leonardo Correa, coordenador do Sistema Integrado de Monitoramento de Cultivos Ilícitos (SIMCI), grupo vinculado à ONU. “Os territórios e rotas controladas pelas Farc foram interrompidos, mas isso propiciou a percepção de que é possível fazer o que eles faziam, só que em outros lugares.” Atrativos econômicos também têm ajudado a empurrar a produção de cocaína ao Norte. Segundo Correa, 1 kg de cocaína é vendido na Colômbia por 1,7 mil dólares, enquanto na América Central pode custar 15 mil. Produzindo cocaína mais perto dos pontos de venda, os traficantes se beneficiam dos preços altos e ao mesmo tempo evitam despesas de transporte, além de reduzir o risco de que o produto seja apreendido no caminho. Dados fornecidos à OCCRP pelo Ministério do Interior da Guatemala mostram que o cultivo de coca disparou desde 2018, quando a primeira plantação foi detectada no país. Um crescimento parecido foi registrado no México e em Honduras. Belize, por sua vez, detectou a primeira lavoura de coca em seu território em dezembro de 2022.

Nesses países, o cultivo de coca se concentra em áreas remotas, onde há pouca presença do Estado. Em Honduras, por exemplo, a produção de cocaína tem avançado sobre os departamentos de Colón e Olancho, dois territórios afastados dos centros urbanos e que serviam tradicionalmente de rota para o tráfico. A análise do OCCRP mostra que, na Guatemala, das 217 plantações de coca encontradas entre 2018 e o final do ano passado, 215 ficavam na porção nordeste do país, uma região com baixa densidade demográfica. Esses novos polos de produção, embora cresçam rapidamente, ainda não são páreo para os países andinos. A ONU calcula que, só no ano passado, foram plantados 230 mil hectares de coca na Colômbia. De 2018 até o final de 2022, as autoridades guatemaltecas haviam destruído somente 110 hectares de plantações. As mexicanas, em torno de 39. Mas a produção está em constante expansão.

Os produtores vêm testando novos territórios para a lavoura de coca. Plantações surgiram recentemente em lugares como as selvas do Panamá e o montanhoso estado mexicano de Chiapas, mas logo desapareceram – possivelmente porque a operação não compensou o investimento. Neste ano, foi encontrada coca pela primeira vez em áreas remotas do estado mexicano de Michoacán. “Eles estão à procura de locais onde essa cultura possa se desenvolver melhor”, afirma Ludwig Reynoso, secretário-geral do governo do estado de Guerrero, explicando que a produção local “ainda não alcançou….

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