
Quando o Universo tinha “apenas” algumas centenas de milhares de anos, o plasma desapareceu como o nevoeiro da manhã. E o Universo caiu rapidamente em silêncio profundo. Mas ainda é possível captar ecos dessas primeiras ondas sonoras que se propagaram pelo Universo primordial, se soubermos onde procurar.
As oscilações criadas por essas ondas no plasma deixaram uma marca permanente na distribuição de matéria pelo Universo. E essas oscilações também fornecem aos astrônomos indicações sobre um dos mistérios mais profundos do nosso Universo atual: aquela força misteriosa conhecida como energia escura.
As ondas sonoras primordiais —também conhecidas como oscilações acústicas de bárions (BAOs, na sigla em inglês)— foram formadas quando as partículas do Universo inicial começaram a se reunir, atraídas pela gravidade. “A força gravitacional da matéria escura nos primórdios do Universo criou ‘poços de potencial’, que atraíam o plasma para o seu interior”, segundo a física brasileira Larissa Santos, professora do Centro de Gravitação e Cosmologia da Universidade de Yangzhou, na China.
Mas o plasma era tão quente que também criava outra força, na direção oposta. “Os fótons criavam pressão de radiação que lutava contra a gravidade e empurrava tudo de volta para o lado externo. Esta luta criava oscilações acústicas – ondas sonoras”, explica a professora. As BAOs irrompiam de incontáveis poços de potencial, formando esferas concêntricas de energia sonora em expansão. Elas se entrecruzavam, esculpindo o plasma em padrões de interferência tridimensionais complexos e deslumbrantes.
Se houvesse seres humanos vivendo na época das “oscilações acústicas de bárions” (BAOs), eles não teriam ouvido nenhum ruído. Os sons estavam cerca de 47 oitavas abaixo da primeira nota do piano. Seus comprimentos de onda eram gigantescos – cerca de 450 mil anos-luz. Esses estrondos inaudíveis e incrivelmente profundos viajavam através de um meio incapaz de ser penetrado, até pelos nossos telescópios mais poderosos.
Em busca de ‘registros fósseis’
Quando mais profundamente olhamos para o Universo, mais retornamos na sua história. Isso se deve ao tempo que a luz leva para chegar até nós. Mas só conseguimos ver tão longe porque as cargas elétricas dos prótons e elétrons liberados naqueles primeiros estágios de vida do Universo espalhavam e difundiam a luz, criando um brilho aleatório impenetrável.
Enquanto isso, as BAOs criaram padrões nesse meio que oscilavam para o lado externo. Por isso, podemos observar suas evidências no Universo atual. O Telescópio Espacial Planck, da Agência Espacial Europeia, conseguiu captar ecos de BAOs dos primórdios do Universo, que os cientistas traduziram para frequências audíveis. O zumbido é composto de um tom baixo com sobretons mais altos. Ele foi processado para produzir um arquivo sonoro com ruídos intensos, que podem ser ouvidos por seres humanos.
Quando atingiu cerca de 379 mil anos de idade, o Universo se resfriou o suficiente para que os prótons e elétrons se emparelhassem, formando os primeiros átomos de hidrogênio neutros. O plasma então desapareceu, o que deixou o Universo subitamente transparente e permitiu a transmissão da luz. Ao mesmo tempo, a batalha entre a radiação e a gravitação chegou ao fim. As BAOs cessaram e o Universo entrou em silêncio.
Um jato de energia luminosa começou então a se espalhar pelo Universo. Ele era tão poderoso que ressoa até hoje pelos radiotelescópios, atraindo os físicos como um sinal da radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB, na sigla em inglês), 13 bilhões de anos depois. A CMB é o registro visual mais antigo e detalhado dos primórdios do Universo. Ela oferece aos cientistas um “registro fóssil” dos primeiros sons do cosmos. “Nós vemos [os sons] impressos na radiação cósmica de fundo em micro-ondas e também na estrutura do Universo em larga escala”, segundo Santos.
A física brasileira participa de um novo projeto de radiotelescópio internacional para analisar os ecos modernos daquela canção antiga. “Sua assinatura é encontrada na quantidade levemente excessiva de pares de galáxias que são separadas em uma escala fixa de 150 Megaparsecs —cerca de 500 milhões de anos-luz”, explica a professora.
Projeto em construção na Paraíba
As assinaturas de BAO não são apenas indicações de como seriam os primeiros sons do Universo. Elas também servem de padrão para medir os efeitos de outro fenômeno invisível: a energia escura. A energia escura faz o Universo se expandir. Seus efeitos estão em toda parte, mas sua natureza é desconhecida. O estudo da escala das assinaturas de BAO a diferentes distâncias da Terra conta como os efeitos da energia escura alteraram a história do Universo. “Chamamos de régua padrão”, afirma Santos. “Temos esta escala fixa. Pelas suas variações aparentes, podemos saber como o Universo evoluiu ao longo do tempo.”
Larissa Santos faz parte do projeto internacional respons