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Encontro musical no metrô: uma conexão inesperada entre dois desconhecidos que marcou suas vidas para sempre

No metrô, no ônibus, na fila do correio ou do cartório: quando se ligava já era tarde demais, estava tocando baixo no cinto ou fazendo viradas de bateria nos joelhos. Não era espalhafatoso. Era tímido, discreto, mas mesmo assim, às vezes, alguém notava e ele sentia vergonha. Parava imediatamente, botava as mãos nos bolsos, o rabo entre as pernas e se contentava em marcar o ritmo dentro dos tênis, com os dedos dos pés.

Naquela quarta, na escada rolante do metrô, o amigo shuffle e seus algoritmos, muito bem treinados após anos de espionagem, mandaram um “Walk on the wild side”, do Lou Reed, no Spotify. Ele sorriu ao mesmo tempo em que o indicador e o dedo médio começaram a tocar, na costura do bolso da calça, a linha de baixo: duuuuuum-duuum/duuuuuum-duuum. Duuuuuum-duuum/duuuuuum-duuum.

Sentou-se num banco e logo em frente estava uma mulher, também com fone de ouvido. Antes que pudesse pensar em parar com seu “air” baixo, notou um troço bizarro: ela cantarolava “dul-dul-durul-dul-duruldul/durul-durul-dulduruldul/durul-durul-dulduruldul”, trecho de “Walk on the wild side”, perfeitamente sincronizada ao que ele ouvia nos fones.

Primeiro, pensou que tivesse se enganado e talvez estivesse ouvindo uma rádio, não um playlist próprio. Tirou o celular do bolso e conferiu: estava mesmo no Spotify. Concentrou-se nos lábios da moça. Talvez tivesse sido só uma cadência semelhante, fonemas parecidos em outra música, como “La Bamba” encaixando em “Twist and Shout”, mas não, ela seguia cantarolando, quase em silêncio, o que tocava nos ouvidos dele: “Holy came from Miami, F.L.A/ Hitch-hiked her way across the USA”, e dá-lhe duuuuuum-duuum/duuuuuum, duuum/ Duuuuuum-duuum/duuuuuum, duuum.

Percebendo o olhar dele, ela fechou a cara, pensando em coisas como “patriarcado” e “assédio” e “heteronormatividade”. Sem raciocinar muito, ele estendeu o braço esquerdo até o começo de seu baixo imaginário, fez um slide e começou a dedilhar o duuuuuum-duuum/duuuuuum, duuum.

Ela o encarou, abismada, sem entender. Será que ele a havia ouvido cantando a música do Lou Reed, sabia-a de cor e estava simulando tocar contrabaixo para dar em cima dela? Ele se levantou, foi até ela e entregou o fone de um ouvido. Ela tirou um dela e entregou pra ele. Os dois confirmaram: não mudava nada, a música havia sido iniciada exatamente no mesmo instante, nos celulares dos dois.

Esqueceram tudo o que tinham pra fazer, desceram na próxima estação, sentaram num bar e passaram quatro horas conversando. Um contou para o outro a história de sua vida. Seriam gêmeos separados na maternidade? Chitãozinho e Xororó ainda não apresentados? Que loucura era aquela? Um sinal divino? Uma piscadela do universo? Significando o quê? Haveria algo na letra do Lou Reed a que deveriam prestar atenção?

Saíram mais umas vezes. Chegaram a transar —vai que era o Cupido, escondido nos algoritmos do Spotify? Não deu liga. Fizeram mapas astrais juntos. Constelação familiar. Jogaram na loteria. Ele foi numa festa dela, uma vez, mas ficou meio deslocado. Ela o parabenizou por uma vitória do Corinthians, no Insta, mas não teve resposta, logo depois. Até um tempo atrás, ainda mandavam um “Feliz Natal!” ou “parabéns pelo aniversário”, no Face.

Mês passado se encontraram no Shopping Anália Franco e falaram “vamos se ver!”, “vamos!”, “saudades!”, mas era tudo da boca pra fora. Nunca mais se encontraram nem se encontrarão. Ele morrerá aos 65 de acidente doméstico e ela aos 98, de causas naturais. Lou Reed morreu em 2003, sem saber picas sobre nada disso.

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