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A surpreendente arte de se maravilhar é capaz de transformar a rotina em momentos extraordinários.

Nas últimas férias, tive a incrível sorte de alugar um apartamento de frente para um largo onde ocorriam apresentações de orquestras portuguesas algumas vezes por semana. Durante essas ocasiões, recebi alguns amigos no apartamento e pude testemunhar um espetáculo paralelo: a reação das pessoas ao descobrirem que estavam em um camarote sobre a orquestra.

Alguns dos meus amigos corriam para a varanda sem ao menos me cumprimentar direito. Eles se inclinavam, aplaudiam junto com o público que lotava a praça, tiravam fotos e vídeos. Outros apenas davam uma olhada rápida na varanda e retornavam para dentro do apartamento. Alguns nem sequer olhavam para fora, ignorando completamente o que estava acontecendo.

No começo, pensei que as pessoas menos interessadas eram aquelas que tinham menos interesse por música. Talvez também fossem aquelas que já haviam viajado muito e já tinham visto muitas orquestras, esgotando assim o entusiasmo por esse tipo de evento. Porém, logo percebi que não há uma lógica simples governando o interesse humano.

Independentemente do que possa influenciar o interesse das pessoas, o que mais as incentivava a atravessar a linha do interesse era a sua capacidade de se maravilhar com qualquer coisa, assim como uma criança.

Lembro-me de uma ocasião em que minha filha teve piolhos. Eu estava passando um pente de metal em seu cabelo e o chão ficou coberto de pequenos pontos marrons e lêndeas brancas. Pedi que ela se afastasse para que eu pudesse limpar imediatamente. No entanto, ela gritou e segurou meu corpo impaciente com seu pequeno braço. Depois, foi buscar uma lupa e se ajoelhou, fascinada pela movimentação lenta dos parasitas com suas perninhas frágeis.

O romance “Solenoide”, de Mircea Cartarescu, começa com uma história sobre piolhos, mostrando que a capacidade de se maravilhar não se restringe apenas às crianças. Também acontece com aqueles que não deixaram que essa capacidade desaparecesse ao crescerem, travados pela obsessão com a imagem que têm de si mesmos ou pelo hábito de olhar excessivamente para dentro de si mesmos – um hábito que, infelizmente, tenho cultivado ao pensar no que vou escrever.

É por isso que viajar nos faz tão bem, porque em um lugar desconhecido, nos permitimos ser tolos e ignorantes novamente – uma premissa básica para se maravilhar – e, dessa forma, desarmados, com os olhos e mentes bem abertos, somos envolvidos por surpresas e prazeres que acompanham essas descobertas. São esses momentos que tornam a vida valiosa. Nos últimos anos, comecei a sentir inveja daqueles que se encantam facilmente. Ou daqueles que entram em todos os cantos, comprando todos os tipos de bugigangas: eles extraem mais prazer do poço da vida adulta do que eu.

No apartamento que aluguei, também havia crianças – uma delas, a menina que amava piolhos. E, em frente aos seus rostos, havia telas. Mesmo tendo um músculo extra para o encantamento, percebi que as crianças também podem perder essa capacidade ao criar essa barreira física entre seus olhos e o mundo.

Claro que também é possível se maravilhar com a tela, mas acredito que não seja a mesma coisa. Além disso, a experiência da fisicalidade é sempre mais intensa e se maravilhar não se trata apenas do objeto de observação, mas da forma como isso chega até nós: de forma imprevisível, surpreendente e incalculável. Ao contrário dos algoritmos, carregados com os mistérios humanos, maravilhar-se é carregado dos mistérios da vida.

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