Interação entre plantas e insetos: um império em jogo na luta contra a herbivoria e a busca por soluções sustentáveis

A complexa relação entre plantas e insetos: um equilíbrio delicado na natureza

Dentre todas as relações biológicas, poucas são tão recorrentes e ecologicamente significativas quanto a interação entre as plantas e os insetos, que põem frente a frente dois impérios: as plantas, que representam mais de 80% de toda a biomassa terrestre, e os insetos, o mais diverso grupo de organismos do planeta, com mais de um milhão de espécies diferentes descritas.

Quando os insetos atuam como agentes de polinização em troca de néctar, ou as plantas oferecem abrigo a eles em troca de defesa contra predadores de grande porte, a interação entre esses grupos pode ser mutuamente benéfica. No entanto, a forma mais comum de contato entre os dois gera consequências negativas para a planta: é a chamada herbivoria.

Mais da metade das espécies de insetos conhecidas tem nos tecidos vegetais sua principal fonte nutricional, e toda essa alimentação baseada nas plantas pode retardar o desenvolvimento delas ou até levá-las à morte. Com frequência a relação entre plantas e insetos herbívoros é descrita como uma “corrida armamentista” evolutiva, na qual as plantas estão constantemente desenvolvendo barreiras de defesa contra insetos herbívoros, enquanto esses não cessam de buscar mecanismos para otimizar a exploração dos tecidos vegetais.

Minimizar o ataque de insetos herbívoros é um dos grandes desafios para garantir a segurança alimentar do planeta. Estima-se que o dano causado por esses insetos reduz em até 40% a produtividade de nossas principais culturas, como soja, arroz e milho. A cada ano são gastos dezenas de bilhões de dólares em pesticidas, muitos dos quais são tóxicos para o homem e para o ecossistema. Essa situação tem se tornado ainda mais complexa devido ao aquecimento global, que aumenta a voracidade dos insetos e reduz a capacidade de defesa das plantas.

No entanto, um passeio por uma horta ou qualquer outra plantação pode nos revelar que o número de espécies de insetos que conseguem de fato atacar uma espécie de planta é impressionantemente pequeno se comparado ao número total de insetos herbívoros no mundo. O tomateiro, por exemplo, é uma das plantas cujo cultivo é mais arriscado devido ao ataque por insetos. Das cerca de 500 mil espécies de insetos herbívoros existentes, apenas algumas centenas causam problemas significativos ao tomateiro.

Se sairmos do meio agrícola em direção a um ecossistema mais natural (como uma floresta ou no cerrado), notaremos que, apesar do potencial destrutivo dos insetos herbívoros, as plantas em geral parecem saudáveis. Em outras palavras, no reino vegetal, a suscetibilidade ao ataque por insetos é a exceção e não a regra.

Há várias explicações para esse fato, incluindo o simples isolamento geográfico entre uma espécie de planta e um inseto herbívoro. Porém, a constatação de que pragas altamente destrutivas a uma planta não causam danos a outra que lhe é vizinha confirma a existência de mecanismos de defesa efetivos nas plantas, como os pelos na superfície das folhas, venenos produzidos para intoxicar os insetos ou proteínas que dificultam a digestão do material vegetal.

Apenas um inseto capaz de romper todas essas defesas conseguirá usar a planta como hospedeira. Quando um predador não supera os mecanismos de defesa de uma planta e, portanto, não a utiliza como fonte de alimento, dizemos que ocorre “resistência de não-hospedeiro” (RNH).

A RNH fornece uma explicação curiosa para o porquê de tão poucas espécies de inseto conseguirem interagir com uma espécie de planta: os mecanismos de defesa delas são tão efetivos contra o ataque de pragas que poucos insetos podem superá-los. Do ponto de vista evolutivo, a RNH força a maioria dos insetos a se especializar em um grupo específico de plantas hospedeiras, reduzindo o nicho de espécies das quais eles são capazes de se alimentar.

Meu laboratório se dedica a pesquisas sobre a RNH, buscando isolar mecanismos de defesa associados a esse fenômeno e estudar como eles agem em espécies diferentes de insetos herbívoros. A partir de plantas com modificações no sistema imune, já identificamos alguns grupos de moléculas sinalizadoras de plantas que estão associadas a RNH.

Em um artigo há pouco publicado na revista científica Journal of Experimental Botany, detalhamos o que se sabe sobre o funcionamento da RNH e como ela é um dos parâmetros ecológicos que delimitam a extensão das interações entre plantas e insetos herbívoros em nosso planeta. A RNH representa uma oportunidade fenomenal e relativamente pouco explorada para produzirmos cultivares de plantas mais resilientes ao ataque por pragas.

Se, por exemplo, identificarmos como um capim se defende contra um inseto predador de tomate, poderemos transferir esse mecanismo de resistência para o tomate, tornando seu cultivo muito mais seguro, tanto econômica quanto ecologicamente. A RNH pode ser uma peça-chave para garantir a segurança alimentar global, transformando a agricultura e assegurando um futuro mais sustentável.

Por Marcelo Lattarulo Campos, professor de botânica no Instituto de Biociências da UFMT

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, de apoio à ciência no Brasil.

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