A Importância da Arte e dos Artistas na Sociedade Contemporânea: A Reflexão de Tássia Reis em ‘Topo de Minha Cabeça’

Precisamos de arte. Podem alguns e algumas berrarem contra esta genuína prática humana, questionarem o que há de artístico na criação do ser, na emancipação tímida de uma subjetividade intensa e que transborda em si. Faz parte da insatisfação crônica do indivíduo, que desafia o outro tentando atingir seu âmago, querer definir o que é e o que não é arte. Ainda assim, precisamos dela em todas as suas formas. Mais do que isso, precisamos de artistas.

A constatação — por mais óbvia que pareça — vai de encontro aos tempos apressados de hoje, nos quais é raro conseguir escutar um disco inteiro, sem pausas, absorvendo cada música ao longo da narrativa tecida de acordes e melodias. Pode-se dizer que tão raro quanto é enxergar uma artista em sua plenitude. E quando foi a última vez que escutamos um disco novo que nos fez sentir o quão importante é contar com gente que canta intimidades nas labirínticas entrelinhas de suas composições?

Trato como flecha certeira a capacidade de mirar nas profundezas da rotina corrida e ter por alvo a escuta plena, longa, que exige do peito abertura para recebê-la. Algo que só artistas conseguem fazer conosco.

Ouvir uma obra inteira tem disso, de se render à narração cantada. Há que se entregar e confiar que a arte inventa caminhos. Tássia começa do ponto mais alto de qualquer pessoa — o topo de sua cabeça. Enxerga, em seguida, as brechas por onde tentam entrar os desconvidados e faz seu alerta. Canta, rima, chama atenção para a realidade do asfalto selvagem que ainda queima a sola dos pés de meninos gênios não amanhecidos, desacordados pela fatal realidade.

Precisamos de artistas por inteiro. Mesmo hoje — ou ainda mais hoje, com artificialidades simulando uma perfeição estranha à humanidade, avessa à artimanha de criar sob o véu de um arbítrio definitivamente livre da padronização de acertos, faz-se ouvir quem nos devolve a chance de desviar do pragmatismo que, sem dó ou outra nota qualquer, priva-nos de sentir a esmo, com gosto, com abstração o bastante para redefinir o que sentimos — porque mesmo hoje, ou ainda mais hoje, sentimos muito.

A música ecoa por todo tipo de casa quando entra sem bater. Da parede de tijolo laranja à com massa corrida; do portão fechado por arame ao filmado por câmera com visão noturna; das esquinas às coberturas; vibrando os alto-falantes ou isolando os tímpanos; democrática, a música ainda toca. Quando, inteira, dilui-se no compilado de canções a compor um álbum, vai além das confidenciais moradas do ser.

A experiência de apreciar todo o disco nos lembra que a sensibilidade requer que nos permitamos certa vulnerabilidade. Um abrir de portas para a visita inesperada, mesmo pedindo para não reparar na bagunça. É receber, sentir e reconhecer o que há da porta para dentro. Pode parecer pouco, mas é um pouco nosso.

A obra que citei não foi invocada para ser lida aqui, mas sim ouvida aí, por inteiro, até o topo da cabeça. Convido-lhes a pensar: qual foi o último disco que ouviram do começo ao fim e o que sentiram?

Que a resposta seja silenciosa, íntima, secreta, não tem problema, mas que ela ao menos exista, porque, no fundo, ninguém é vazio. Há sempre algo. Tássia Reis, inclusive, demonstra isso com seu ofício de cantante.

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