Audiência na Câmara denuncia atrasos em indenizações e restauração do ecossistema após derramamento de óleo cru no litoral brasileiro

10/09/2024 – 20:44

Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Deputado Túlio Gadêlha preside a audiência desta terça-feira

Representantes dos atingidos pelo maior derramamento de óleo cru no litoral brasileiro, que ocorreu em 2019, denunciaram na Câmara dos Deputados atrasos em indenizações, vigilância sanitária, restauração do ecossistema marinho e punição aos responsáveis. Durante o debate realizado nesta terça-feira, eles expuseram as dificuldades enfrentadas na reparação socioambiental, agravadas por cortes orçamentários.

A reunião conjunta das comissões de Meio Ambiente e de Amazônia e Povos Tradicionais foi palco das denúncias e cobranças dos povos afetados pelo desastre ambiental. “Cinco anos depois, a gente não tem uma resposta efetiva e nenhuma perspectiva de mitigação e de reparação para os povos atingidos. Esse crime está presente e vive impregnado na vida dos povos das águas”, resumiu a representante do Conselho Pastoral dos Pescadores, Andréa do Espírito Santo.

Histórico
As primeiras manchas de óleo foram detectadas no litoral de Paraíba, Sergipe e Pernambuco em 30 de agosto de 2019. Ao longo de setembro, elas se espalharam pela costa dos nove estados do Nordeste, além de Espírito Santo e Rio de Janeiro, no Sudeste.

A Polícia Federal e o Plano Nacional de Contingência, a cargo da Marinha, foram acionados.

Ao todo, cerca de 5 mil toneladas de óleo cru, atribuídas ao petroleiro grego Bouboulina, se espalharam por quase 3 mil km, no que ainda hoje é considerado o maior desastre ambiental no litoral brasileiro. Novas manchas foram detectadas em 2022.

Hélia Scheppa/Governo de Pernambuco

Voluntários recolhem óleo espalhado em praia de Pernambuco em 2019

Saúde e extinção
Durante a audiência, pescadores artesanais e marisqueiras representando diversas organizações relataram danos à saúde e desaparecimento de espécies de peixes. O médico Paulo Lopes Pena criticou a falta de decretamento de emergência sanitária na época, diante dos casos de intoxicação aguda e dos riscos de câncer e outras doenças a médio e longo prazos.

Pena cobrou do Ministério da Saúde imediato monitoramento daqueles que tiveram contato com o óleo cru, além de avaliação ambiental permanente para detectar metais pesados nos manguezais e áreas de pesca.

Sem indenizações
Os trabalhadores também se queixaram da falta de acesso a indenizações e ao auxílio emergencial criado pela MP 908/19, que exigia prévio Registro Geral de Atividade Pesqueira (RGP). Representante do Ministério da Pesca e Aquicultura, Kátia dos Santos Cunha admitiu que, cinco anos depois, quase nenhum pescador recebeu reparação.

“A gente sabe que os povos das águas precisam de reparação histórica em vários pontos, mas essas ações são limitadas. O nosso ministério foi o segundo mais atingido pelo corte, então, estamos fazendo das tripas coração”, reclamou a gestora.

A coordenadora do grupo de trabalho de racismo ambiental da Frente Parlamentar Ambientalista, deputada Carol Dartora, uma das proponentes da audiência, afirmou que o atraso na reparação revitimiza populações vulneráveis.

Programas e orçamento
O Ministério da Pesca informou sobre parcerias com a Fiocruz e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para desenvolver políticas públicas. O Ibama citou a criação de programas para aprimorar a gestão de emergência, como o Programa de Preparação para Resposta a Derramamento de Óleo no Litoral, em 2023, e o Programa Praia sem Óleo, neste ano.

Novas diretrizes devem surgir em simpósio previsto para outubro. O deputado Tulio Gadêlha reconheceu que a reparação socioambiental depende de reforço orçamentário. “Pelo espaço orçamentário que foi ocupado nos últimos anos pelo Congresso, isso deixou os ministérios em uma situação difícil para fomentar políticas públicas”, criticou o deputado.

Manifesto
Pescadores artesanais e ONGs ambientalistas apresentaram um manifesto com reivindicações aos três poderes. No Legislativo, por exemplo, eles cobram resultados da CPI da Câmara que investigou o caso, mas acabou encerrada em 2021, sem votar o relatório final.

Eles também querem a aprovação do Projeto de Lei (PL) 131/20, que prioriza as comunidades pesqueiras tradicionais no uso dos recursos naturais presentes no território onde vivem. A proposta está em análise na Câmara dos Deputados.

Por outro lado, os pescadores e os ambientalistas pediram a rejeição de propostas que tratam de “privatização das praias” (PEC 3/22, em tramitação no Senado) e energia eólica em alto mar (PL 11247/18, também aguardando análise dos senadores).

Do Judiciário, as entidades esperam a punição dos responsáveis, a fim de que a impunidade não alimente novos crimes socioambientais.

O manifesto ainda pede, ao Executivo, a criação de um grupo de trabalho interministerial com foco em recuperar o ecossistema marinho e a efetiva participação dos atingidos nas futuras ações.

O deputado Dorinaldo Malafaia, um dos proponentes do debate, aposta na mobilização dos pescadores e marisqueiras para reverter a situação.

Pacto pela Transformação Ecológica
Integrante do GT Mar da Frente Parlamentar Ambientalista na audiência, Letícia Camargo, criticou os projetos listados pelo Legislativo no recente Pacto pela Transformação Ecológica anunciado pelos três Poderes.

“Para o Legislativo, a solução foi apresentada por meio de um projeto de mercado de carbono que não controla e não regula o agronegócio, que é o maior emissor de gás carbônico no Brasil; a solução de biocombustíveis, que não é uma solução real e fiel à transição ecológica; e as eólicas offshore, que na verdade vão impactar diretamente essas comunidades tradicionais pesqueiras, que não foram consultadas”, listou Letícia.

Reportagem – José Carlos Oliveira
Edição – Natalia Doederlein

Sair da versão mobile