Mulheres dedicam 10 horas a mais que homens em atividades domésticas: debate sobre política de cuidado no Brasil cresce.



Artigo – Políticas de Cuidado

05/09/2024 – 16:00

gpointstudio/DepositPhotos

Mulheres dedicam 10 horas por semana a mais que os homens em atividades domésticas e de cuidado

O tema políticas de cuidado vem ganhando destaque no Parlamento brasileiro e é considerado prioritário pela bancada feminina. A Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados criou dois grupos de trabalho (GTs) para tratar do tema: um propriamente sobre políticas de cuidado e outro para discutir a ampliação da licença-paternidade.

O assunto também tem mobilizado o Poder Executivo, que enviou recentemente à Câmara dos Deputados um projeto de lei que institui a Política Nacional de Cuidados (PL 2762/24). O texto foi construído com a participação de 20 ministérios, além de integrantes de estados, municípios e pesquisadores.

De acordo com a Constituição, os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores de 18 anos, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Mas hoje, no Brasil, quem cuida em geral é a mulher.

Segundo o IBGE, em 2022, enquanto as mulheres dedicaram, em média, 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos e ao cuidado de pessoas, os homens gastaram 11,7 horas, cerca de 10 horas a menos por semana. As mulheres pretas ou pardas dedicaram 1,6 hora a mais por semana nessas tarefas do que as brancas.

Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

Sâmia Bomfim: bancada priorizará projeto do governo que cria Política Nacional de Cuidados

Cuidar custa não apenas tempo, mas também desgasta a saúde de quem cuida e pode gerar a perda de oportunidades no mercado de trabalho. Ainda conforme dados do IBGE, em 2022, a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho foi de 53,3% enquanto a dos homens foi de 73,2%. Também em 2022, o rendimento delas foi, em média, equivalente a 78,9% do recebido por homens.

Para alterar o quadro atual de sobrecarga das mulheres, especialistas têm apontado a importância das atividades de cuidado serem compartilhadas entre membros da família, o Estado, o mercado privado e a comunidade.

Projeto do governo
Além de reduzir a sobrecarga de trabalho das mulheres, o PL 2762/24 tem como objetivo garantir o acesso ao cuidado de qualidade para quem dele necessita, prioritariamente crianças e adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência. A proposta também pretende garantir condições de trabalho decentes para trabalhadoras e trabalhadores remunerados do cuidado, que são sobretudo mulheres negras.

“É um trabalho extremamente precário, apesar de sustentar a nossa organização social. Os cuidados têm uma importância tanto quantitativa, porque são quase 6 milhões de pessoas [dedicadas a esse trabalho], 90% delas mulheres, quanto qualitativa, porque a gente se organizou contando com esse trabalho”, explica Luana Pinheiro, diretora de Economia de Cuidado na Secretaria Nacional da Política de Cuidados do Ministério do Desenvolvimento Social.

Ela acrescenta que trata-se de uma força de trabalho ainda muito informal e com poucos direitos. “Menos de 30% possui carteira de trabalho assinada, muitas trabalhadoras recebem menos que o salário mínimo e ainda têm de conviver com casos de assédios morais e sexuais. Há casos de trabalhadoras que são resgatadas de situações que a gente chama de escravidão contemporânea”, afirma Luana.

A representante do Ministério do Desenvolvimento Social diz ainda que hoje a maior parte da provisão de cuidados no País está a cargo das famílias, mas a responsabilidade precisa ser compartilhada com os governos.

“O Estado ainda é insuficiente – a gente está construindo uma política para que o poder público possa assumir a centralidade – e, por isso, as famílias muitas vezes recorrem também à contratação de trabalhadoras domésticas e cuidadoras para suprirem as suas necessidades de cuidado”, explica Luana. “Essa demanda só é satisfeita pelas camadas mais altas da população, que conseguem fazer a contratação no mercado desses serviços, que é também um mercado majoritariamente feminino”, complementa.

GT da Câmara
Na Câmara, já tramitava um projeto de lei (PL 5791/19) da ex-deputada Leandre (PR) que cria uma política nacional de cuidados para pessoas vulneráveis. E, no Senado, uma proposta (PL 27972/22) da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) tem o mesmo fim.

Mas a relatora do grupo de trabalho sobre política de cuidados na Câmara, deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), afirma que o foco das discussões é o projeto enviado pelo governo. Ela ressalta que esse é um dos poucos temas que, de fato, une a bancada feminina na Câmara. No GT, há deputadas do Psol ao PL.

“O nosso objetivo, em primeiro lugar, é criar condições para aprovar o PL 2762/24. Depois, queremos avançar também em outros projetos de lei que tem o mesmo tema, por exemplo, o que cria o Fundo Nacional do Cuidado, ou seja, possibilita fontes de financiamento para estruturar essa política”, diz a parlamentar.

Sâmia acrescenta que é necessário reconhecer o cuidado como algo que precisa ser coletivizado. “Estabelecer uma política de creches no País é uma forma de responsabilizar o Estado e a sociedade pelo cuidado das crianças. Também é preciso criar espaços de socialização de idosos e flexibilizar a jornada de trabalho de mães atípicas (que possuem filhos com alguma deficiência física ou intelectual)”, aponta.

Outras propostas
Também está no radar do GT da política de cuidados o projeto (PL 638/19) da deputada Luizianne Lins (PT-CE) que inclui o trabalho não remunerado do cuidado no sistema de cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) e a Proposta de Emenda Constitucional 14/24, que prevê a inclusão na Constituição do cuidado como um direito social, ao lado da saúde, da educação e de outros direitos.

A chamada PEC do Cuidado também foi construída por uma coalizão de parlamentares de espectro político variado. A deputada Flávia Morais (PDT-GO), autora principal da proposta, afirma que a PEC é estruturante e, se aprovada, embasará os outros projetos e as políticas públicas sobre cuidado.

Gabriel Jabur/Agência Brasília

Especialistas defendem maior participação dos pais nas tarefas de cuidado com os filhos

Ela destaca que a PEC tem apoio de toda a bancada feminina na Câmara e também do governo e lembra que o tema já está sendo discutido na Organização Internacional do Trabalho (OIT) e foi tratado como prioritário no P20 – a reunião de Mulheres Parlamentares do G20, que ocorreu em julho em Maceió.

“Hoje é um tema mundial, eu estive na OIT e lá foi muito falado do cuidado, assim como no P20”, comenta Flávia Morais. “Pela primeira vez, o governo federal tem a Secretaria Nacional do Cuidado, hoje representada pela secretária Laís Abramo, que inclusive tem um protagonismo muito importante na OIT”, complementa.

Envelhecimento da população
A pesquisadora Ana Amélia Camarano, organizadora do livro Cuidar, Verbo Intransitivo, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), observa que hoje, como é feito no ambiente doméstico, o trabalho de cuidado é invisível, não é valorizado e não gera direitos sociais. No entanto, uma política pública de Estado para o cuidado tende a ser cada vez mais necessária no Brasil, com a mudança de perfil das famílias e com o envelhecimento da população. O último censo do IBGE mostra que, em 2050, quase 23% da população terá 60 anos ou mais. Atualmente, os idosos já respondem por mais de 15% dos brasileiros.

Ana Amélia Camarano lembra que as famílias têm menos filhos, há cada vez mais casais que optam por não ter filhos e os casamentos acabam mais rápido. E, quando você tem muitos casamentos, a tendência é que os vínculos sejam mais fracos. “Quem tem muita sogra não vai cuidar de nenhuma, então é importante, por isso, a política de cuidados. Você tem menos filhos, casais que não têm filhos: enquanto aumenta a população que demanda cuidados, diminui a oferta de cuidador familiar“, explica.

A alternativa também costuma ser um cuidador formal contratado no mercado, mas nem todas as famílias têm renda para arcar com esse custo. A pesquisadora do Ipea cita iniciativa da Prefeitura de Belo Horizonte que encaminha

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