Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase oito em cada dez quilombolas no Brasil vivem em lares com saneamento básico precário ou ausente. Isso representa 78,93% dos 1,3 milhão de quilombolas que habitam domicílios permanentes ocupados, em um total de 357,1 mil lares. Essa proporção é 2,89 vezes maior do que a observada na população brasileira em geral, que é de 27,28%.
Nos territórios quilombolas oficialmente reconhecidos, o percentual de moradores com precariedade no saneamento é ainda maior, atingindo 90,02%.
Esses dados foram revelados por um suplemento do Censo 2022, que pela primeira vez detalhou informações específicas sobre a população quilombola no país. O critério para classificar uma pessoa como quilombola foi a autodeclaração dos entrevistados, independentemente da cor da pele.
O Censo identificou 495 territórios delimitados pelo Estado, onde residem 167,8 mil quilombolas. Eles representam apenas 12,61% de todos os descendentes de comunidades que resistiram à escravidão.
Para avaliar o saneamento básico nos domicílios, o IBGE considerou o abastecimento de água, a presença de canalização, banheiro, tipo de esgotamento e destino do lixo. O levantamento revelou que 474,7 mil domicílios particulares permanentes ocupados no Brasil têm ao menos um morador quilombola, o que corresponde a 0,66% de todos os lares do país. Em tais residências, os quilombolas representam 88,16% dos ocupantes, indicando uma alta concentração étnica.
No que diz respeito ao tipo de moradia, 98,51% dos quilombolas vivem em casas e 0,86% em apartamentos, enquanto na população brasileira esses percentuais são de 84,78% e 12,51%, respectivamente.
Um dos aspectos mais preocupantes é a constatação de que 91,6 mil domicílios que abrigam 290,5 mil quilombolas combinam três condições de precariedade em relação ao saneamento (água, esgoto e lixo), totalizando 21,89% dos moradores nessa situação. Especificamente nos territórios oficialmente reconhecidos, essa parcela representa 29,58%, enquanto na população brasileira em geral, apenas 3% dos moradores enfrentam essa conjuntura desfavorável.
Uma das desigualdades mais evidentes é a ausência de banheiro exclusivo em domicílios quilombolas. Enquanto 2,25% da população brasileira não possui banheiro nessas condições, entre os quilombolas esse número salta para 17,15%. Nas áreas oficialmente delimitadas, essa proporção alcança 24,77%, significando que um em cada quatro moradores precisa compartilhar essa estrutura ou recorrer a alternativas precárias.
No que se refere ao esgotamento, 58,28% da população em geral conta com rede geral ou pluvial, enquanto entre os quilombolas esse índice é de apenas 12,55%. Por outro lado, mais da metade (57,67%) dos domicílios quilombolas têm esgoto via fossa rudimentar ou buraco, em comparação com 19,44% na população em geral.
A coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais, Marta Antunes, destaca a desigualdade gritante nas condições de moradia dos quilombolas e ressalta a importância dos dados como ferramenta para a gestão pública e melhoria da realidade dessas comunidades.
Em relação ao abastecimento de água, 83,88% dos domicílios no país são servidos pela rede geral de distribuição, mas entre os lares quilombolas esse índice cai para 57,07%, diminuindo ainda mais para 34,55% nos territórios reconhecidos. Por outro lado, a dependência de água de poço é mais comum entre os quilombolas que vivem fora dessas áreas, chegando a 27,07%, e dentro delas, atingindo 41,49%.
Quanto ao destino do lixo, 90,90% da população brasileira em geral têm acesso ao serviço de coleta direta ou indireta, enquanto entre os quilombolas esse percentual é de 51,29%, reduzindo para 30,49% nos territórios reconhecidos. Nessas áreas, queimar o lixo na própria propriedade é a prática mais comum, adotada por 65,49% dos residentes.
O gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE, Fernando Damasco, ressalta as dificuldades de infraestrutura enfrentadas pelos territórios quilombolas reconhecidos oficialmente e destaca a necessidade de investimentos para adequar essas comunidades aos padrões mínimos de saneamento. Ele acredita que o Censo é uma ferramenta importante para promover mudanças nessas condições precárias de moradia.
Em suma, os dados revelam uma realidade preocupante em relação às condições de saneamento dos quilombolas no Brasil, evidenciando a necessidade de políticas públicas e investimentos para melhorar a qualidade de vida dessas comunidades historicamente marginalizadas.