Populismo e identitarismo desafiam a democracia: instituições liberais enfrentam ataques da esquerda e direita para sobreviver.




Análise: Yascha Mounk alerta para ameaças à democracia

Análise: Yascha Mounk alerta para ameaças à democracia

A democracia está sendo abertamente desafiada pelo populismo e o identitarismo, e não se trata de uma ameaça passageira. Para sobreviver, as instituições liberais vão precisar superar ataques vindos tanto da esquerda quanto da direita.

Foi esse o diagnóstico apresentado pelo escritor e pesquisador Yascha Mounk na noite desta segunda-feira (8) no ciclo Fronteiras do Pensamento.

Autor de livros como “O Grande Experimento” e “O Povo Contra a Democracia”, Mounk defendeu que, apesar de recentes vitórias, as democracias liberais seguem abaladas por uma crise de legitimidade.

“A democracia não funciona em zero e um absolutos. Mesmo quando se pensa que um candidato foi derrotado, ele pode facilmente voltar em quatro ou oito anos. Não foi só um momento. Não foi só 2016”, disse o professor da Universidade John Hopkins, se referindo ao ano marcado pelo Brexit no Reino Unido e pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos.

Para o autor, os efeitos da atual “era do populismo” já podem ser percebidos e descritos, ainda que essas transformações sigam em curso.

“Não se trata de ‘os mocinhos’ venceram e está tudo sob controle, nem de ‘os vilões’ ganharam e está tudo acabado. O impacto do populismo é mais sutil do que isso”, argumentou Mounk. Para ele, o resultado da crise política é uma erosão dos pilares fundamentais que sustentam os regimes democráticos.

O primeiro deles é o consenso de que as decisões da sociedade devem ser tomadas coletivamente e não por ditadores. O outro, a defesa da liberdade individual, incluindo a proteção dos indivíduos contra imposições da maioria. Venezuela, Hungria e Turquia foram citados como exemplos mais extremos da vitória dessa retórica autoritarista dentro dos regimes democráticos.

O que explica esse fenômeno de proporções globais? Para Mounk, há três razões identificáveis: a estagnação da qualidade de vida, o fortalecimento das redes sociais, que abriu caminho para outsiders políticos, e o ressentimento causado por novas conquistas de inclusão social.

Mas foi o surgimento de um quarto fator que levou o autor a escrever “A Armadilha Identitária”, seu livro mais recente. Segundo o escritor, o identitarismo é uma nova ideologia que ganhou tração nas elites de Estados Unidos e Europa, apesar de divergir fundamentalmente dos valores dos “cidadãos comuns”.

Para Mounk, o movimento considera que os valores universalistas da democracia são uma “maneira de obscurecer a natureza racista e sexista da sociedade” e incapazes de realizar transformações sociais verdadeiras. A luta pela igualdade, então, só seria possível através da organização dos indivíduos em torno de grupos específicos, sejam eles étnicos, de gênero ou de sexualidade.

Em última instância, argumentou Mounk, se trata de um movimento em que aspirações sociais coletivas são substituídas por “conflitos de soma zero” entre diferentes grupos. Do acesso à saúde pública ao tratamento no ambiente de trabalho, tudo ficaria condicionado a essas divisões.

Mounk ressaltou que as transformações sociais mais importantes foram conquistadas por meio de apelos aos demais cidadãos, mostrando que a igualdade política é um direito universal. Movimentos como o abolicionismo nos Estados Unidos provam que é possível combater a injustiça apelando aos valores democráticos.

No frigir dos ovos, Mounk enfatizou que populismo de direita e identitarismo de esquerda minam os fundamentos da democracia liberal. Ambos levam cidadãos a desconfiar das instituições políticas e buscar soluções extremistas.

O ciclo Fronteiras do Pensamento de 2024 terá palestras com diversos nomes importantes e já contou com a participação de figuras renomadas. A reflexão de Yascha Mounk sobre as ameaças à democracia certamente despertou a atenção de muitos presentes no evento.


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