O Brasil precisa repensar sua infraestrutura urbana, alerta especialista em riscos
Segundo o pesquisador, a infraestrutura do país foi projetada na década de 1940 e dimensionada para atender o crescimento das cidades até os anos 1980. Sem uma evolução contínua, as estradas, as redes de drenagem, as moradias e os sistemas de contenção estão defasados para enfrentar “uma chuva normal”. Menos ainda para resistir a uma tempestade como a que destruiu o Rio Grande do Sul neste mês. Confira os principais pontos da entrevista:
Agência Senado — Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), o Poder Executivo deixou de aplicar 35,5% da verba destinada ao programa de Gestão de Riscos e Desastres da Defesa Civil entre 2012 e 2023. Em que medida a baixa execução impacta na ponta, na cidade que está despreparada para enfrentar uma emergência climática?
Gerardo Portela — Isso mostra que não há um entendimento das autoridades do grau de severidade desses fenômenos. A percepção de risco no Brasil não é algo muito desenvolvido culturalmente. Nossa cultura de segurança ainda é muito primitiva. Isso é diferente, por exemplo, do que acontece no Japão, na Europa, nos Estados Unidos, onde há uma convivência mais amadurecida com os riscos e uma maneira de tratar melhor os riscos. Por não percebermos a gravidade da situação, muitas vezes deixamos de investir aquilo que já não é muito e deixamos de avançar nas salvaguardas para esse tipo de fenômeno.
Agência Senado — Por que esse plano é necessário?
Gerardo Portela — A nossa infraestrutura foi projetada em grande parte nos anos 1940 e 1950 e dimensionada para os anos 1960, 1970 e 1980 no máximo. As cidades cresceram, e essa infraestrutura não foi ampliada. Como não houve uma evolução contínua, a infraestrutura já tem dificuldade de se comportar bem numa chuva normal. Quando vem a tempestade, o impacto é muito grande.
Agência Senado — Como estender esse plano para um país das dimensões do Brasil?
Gerardo Portela — Se cada cidade fizer, o estado pode fazer uma segunda análise de risco baseada nos riscos de cada cidade e também estabelecer as suas prioridades. Subindo um degrau, o governo federal também pode realizar um HAZID baseado nos HAZIDs de cada estado e verificar quais são os cenários mais relevantes.
Agência Senado — De acordo com o TCU, a maior parte dos recursos do programa de Gestão de Riscos e Desastres foi para resposta e recuperação. Está correto esse conceito de Defesa Civil que gasta mais com reconstrução do que com prevenção?
Gerardo Portela — É preciso entender o seguinte: a Defesa Civil realmente é um órgão que atua na resposta à emergência. A gente deveria gastar mais na prevenção, que é a área de engenharia de infraestrutura. Nós deveríamos gastar em grandes obras.
Agência Senado — Qual deve pode ser o papel do Congresso Nacional nessa discussão?
Gerardo Portela — O Senado tem todas as ferramentas para reverter isso. Todas. É possível propor leis e criarmos uma legislação com um plano contínuo, obrigatório, envolvendo infraestrutura de estradas, de moradia. Isso inclui hospitais e escolas, porque são essenciais, drenagem, esgoto… Mas dentro de um plano contínuo, com força de lei.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)