por Amarílis Costa* e Bruno Langeani**
Obrigada por força de uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – favorável a uma ação civil pública protocolada por um grupo de organizações ligadas a direitos humanos, à segurança pública e a direitos do consumidor – a fabricante de armas Taurus retirou a publicidade de produtos em suas redes sociais e canais institucionais. Foi uma decisão mais do que bem-vinda, que merece aplausos da grande maioria da população que se mostrou contrária à facilitação excessiva do acesso a armas de fogo por civis. Como da decisão ainda cabe recurso, essa é uma agenda que precisará receber o olhar do Poder Judiciário, do governo federal, do Ministério Público Federal e da sociedade em geral.
Gostaríamos de oferecer subsídios a esse debate, tão necessário quanto complementar à revisão da política armamentista. Se o Brasil avançou na retomada de uma política responsável no controle de armas de fogo nas mãos de civis, falta retomarmos, sem espaço para dúvidas, o que diz o Estatuto do Desarmamento, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a legislação referente aos direitos de consumidores e a própria Constituição Federal.
Com articulação da Rede Liberdade, a ação foi protocolada pela Comissão de Defesa de Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e Intervozes, com o apoio técnico do Instituto Sou da Paz e do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
Na peça que fundamentou a ação pública e em recente nota técnica que contou com a adesão de dez entidades, argumentou-se que a propaganda configurava violação da vedação à publicidade sobre armas, prevista no artigo 33 da Lei n. 10.826/2003, o chamado Estatuto do Desarmamento, cuja única exceção é em publicações especializadas. A conduta da fabricante feria também o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente (que define arma como conteúdo impróprio para menores) e a própria ordem constitucional estabelecida na Constituição de 1988, que coloca a vida, a dignidade humana e a segurança pública como valores da mais alta estatura.
Essas organizações entendem que tamanha violação de direitos se dá na medida em que campanhas destinadas a ampliar a venda de armas e munições permitem o livre acesso do público em geral a esse conteúdo, estimulando a sua aquisição a partir da de uma ideia falsa de que armas de fogo são instrumentos eficazes para a defesa e proteção de cidadãos.
Os efeitos do que se fez nos últimos quatro anos ainda serão sentidos por longo do tempo. Mas há subsídios relevantes para que o país avance e amadureça num debate que tem recebido pouca a atenção – a publicidade de armas – e que novas ilegalidades e abusos não sejam cometidos por fabricantes.
* Amarílis Costa, advogada, é diretora-executiva da Rede Liberdade. Doutoranda em Direitos Humanos na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, tem mestrado em Ciências Humanas também pela USP, é membra do Conselho do Advocacy HUB, coordenadora de Diversidade e Inclusão do Cultural OAB-SP, professora universitária, co-fundadora do Movimento Elo – Incluir e transformar, e pesquisadora do GEPPIS – EACHUSP. Organizadora do livro “Letalidade Policial e Seletividade Penal: Reflexões Produzidas por Corpos Matáveis” (Rede Liberdade, 2023).
** Bruno Langeani, advogado, é gerente de Projetos do Instituto Sou da Paz, mestre em administração pública e políticas públicas pela Universidade de York (Reino Unido), e autor do livro: “Arma de fogo no Brasil: gatilho da violência” (Editora Telha, 2021).
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