A recente declaração do presidente Lula de que o gênero e a cor não serão determinantes na indicação para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) deixou claro, segundo Bonelli, uma falta de maturidade na compreensão sobre o que é uma democracia. Ela afirma que a visão de que um magistrado será competente, justo e inclusivo independentemente de seu gênero ou raça é uma visão que se naturaliza facilmente quando as pessoas estão confortavelmente sentadas em posições de poder.
A professora argumenta que é difícil para pessoas que estão distantes do universo do Judiciário enxergarem um tribunal composto por pessoas semelhantes entre si como sendo parecido com elas. Ela destaca que a diversidade na composição do STF é fundamental para que a corte seja vista como representativa de toda a sociedade brasileira.
No final de setembro, Lula afirmou que gênero e cor não serão mais critérios para a indicação de um nome ao STF. Segundo Bonelli, essa declaração reflete as influências políticas que Lula tem sofrido de seu entorno, do PT e de sua base eleitoral. Ela ressalta a importância da diversidade nos tribunais e afirma que a população brasileira não se sente representada ao olhar para a corte.
Bonelli destaca exemplos de como a atuação de pessoas diferentes na corte pode influenciar em decisões importantes. Ela cita o caso do ex-ministro Joaquim Barbosa, que teve influência no julgamento sobre a constitucionalidade das cotas para negros nas universidades, e da ex-ministra Rosa Weber, que pautou no Conselho Nacional de Justiça uma ação afirmativa para impulsionar a progressão de mulheres.
A resistência às mudanças no Judiciário também é abordada pela professora. Ela cita dados do relatório Justiça em Números, do CNJ, que mostram que as mulheres são apenas 38% dos mais de 18 mil magistrados do país. Ela ressalta que a falta de uma política de ação afirmativa para o ingresso das mulheres nas carreiras jurídicas e as normas de ascensão profissional construídas em um contexto de pessoas semelhantes são obstáculos para a promoção das mulheres no Judiciário.
Bonelli também discute a resistência enfrentada pela mudança na regra de promoção para a segunda instância, aprovada no CNJ. Ela afirma que tribunais do país resistiram à criação do CNJ e que a resistência a mudanças também existe internamente na corte.
Apesar das resistências, Bonelli acredita que é importante que as pessoas estejam dispostas a ouvir e a discutir essas questões. Ela destaca que, mesmo com a aprovação de medidas pelo CNJ, a implementação pode encontrar obstáculos e é fundamental que haja um comprometimento em relação a essa agenda.
Maria da Glória Bonelli é graduada em ciências sociais pela UFRJ, mestre pela PUC-SP e doutora pela Unicamp. Ela é autora de estudos sobre profissões jurídicas e gênero, incluindo o livro “Profissionalismo, Gênero e Diferença nas Carreiras Jurídicas” (EdUFSCar).