Quando era adolescente, Maria de Fátima sonhava em ser professora, mas seu pai a proibiu, alegando que ela deveria abandonar os estudos para ajudar a cuidar dos irmãos. Mais tarde, aos 21 anos, ela pensou em retornar à escola, mas seu marido também a proibiu, acreditando que sua função como mulher era cuidar dos filhos.
Assim, Maria de Fátima iniciou sua trajetória profissional aos 28 anos, como doméstica. Ela nunca mais teve a oportunidade de voltar à escola, passando a realizar trabalhos que não exigiam qualificação, como limpar o chão, a lousa e retirar o lixo de outras pessoas.
Aos 60 anos, Maria de Fátima ainda trabalha como auxiliar de limpeza em Brasília, nos raros momentos em que não precisa cuidar dos netos. Durante a semana, ela vive sozinha e enfrenta momentos de solidão, lamentando não ter cuidado melhor de si mesma ao longo da vida.
A história de Maria de Fátima reflete uma realidade enfrentada por milhões de idosos no Brasil. Segundo o Estatuto da Pessoa Idosa, que completa 20 anos, os cuidados e direitos dos idosos são temas recorrentes. No entanto, a pesquisadora Ana Amélia Camarano adverte que o estatuto trata a população idosa como homogênea, deixando de abordar as diferenças relacionadas a raça, gênero e classe social.
Um dos principais desafios enfrentados pelos idosos é a falta de cuidado e amparo por parte da família e da sociedade. As mulheres são as principais cuidadoras, mas muitas vezes não recebem o mesmo cuidado e atenção em retorno. Além disso, as mulheres negras estão entre as mais vulneráveis dentro do grupo de idosos, vivendo menos e enfrentando maiores fragilidades físicas, mentais e cognitivas.
Outros grupos também enfrentam desafios específicos, como os idosos LGBTQIA+ e as pessoas trans, que precisam de assistência especializada devido ao preconceito e às violências que sofrem ao longo da vida.
O secretário da Pessoa Idosa, Alexandre Silva, destaca que é fundamental garantir que todos os grupos sociais tenham os mesmos direitos para envelhecer com dignidade. Ele ressalta a necessidade de políticas públicas e programas de assistência aos idosos, reconhecendo que alguns grupos vulneráveis têm menos oportunidades de envelhecer com qualidade de vida.
O senador Paulo Paim, autor do Estatuto da Pessoa Idosa, concorda que é possível haver revisões no documento, mas ressalta que é fundamental continuar protegendo os direitos dos idosos. Ele destaca a importância de valorizar o salário mínimo e combater a violência e o preconceito contra os idosos.
No contexto internacional, o Japão é um exemplo de país que valoriza os direitos dos idosos desde a infância, combatendo o preconceito e a violência. Paim afirma que o estatuto trouxe visibilidade e luz para uma parcela da população que estava esquecida.
Em conclusão, o Estatuto da Pessoa Idosa completa 20 anos, mas ainda há desafios a serem enfrentados para garantir uma velhice digna para todos os brasileiros. É necessário ampliar o debate sobre as desigualdades de gênero, raça e classe social, assim como proporcionar maior apoio e proteção aos grupos mais vulneráveis, como as mulheres negras e os idosos LGBTQIA+. Somente assim poderemos construir uma sociedade mais inclusiva e justa para todas as gerações.