“Acho tenebroso. Uma cena triste mesmo. Uma coisa meio tiozão com bafo de uísque brincando de karaokê. Terrível”, diz ele, para depois apontar o mesmo dedo para si: “Eu tô com 52 anos, então talvez seja o medo de eu ser um tiozão. Talvez eu esteja me vendo em quem sai rodando e cantando, daí me dói.” E Caio vivia bem com seu constrangimento agudo. Sempre que notava o fim do show se aproximando, saía da plateia e ia para rua, onde acenava para o primeiro táxi que aparecesse antes de ele ser atingido pelos primeiros acordes da música de encerramento. “E assim eu ainda evito o trânsito que é a saída do show, é ótimo.”
Mas, num show recente de Bethânia, alguma coisa deu errado. Caio estava com um amigo que bebeu demais e se recusava a ir embora. Acontece que esse amigo tinha ido de carro, e Caio não ousaria ir embora e deixar o bebum sozinho para dirigir até em casa. Então, cruzou os braços, fechou a cara e se preparou para o baque da cena que mais temia. “Eu sabia que ia azedar meu show todo. Mas fazer o quê, né?”
E foi batata. Bethânia terminou o show e, na hora do bis, já começaram os acordes que povoam o pesadelo de Caio. Ela abriu a boca e começou: “viveeeerrr”. O público, como se enfeitiçado, levantou e começou a rodopiar. Muita gente com lágrimas nos olhos. Uma catarse que parecia abraçar todos no salão, menos Caio. “Eu sentia dor de vergonha. Dor.”
Daí, em meio a uma cena que para ele era mais violenta que Guernica, Caio viu alguma coisa que não lhe causou cringe. Pelo contrário. Era um homem de cabelos raspados, uma bata branca e braços magros jogados para o alto enquanto gritava: “Mas isso não impede que eu repita!”. Ele devia ter metade da sua idade, dançando e rindo e chorando enquanto olhava para a baiana no palco. Os dois trocaram um olhar. Mas se Maria Bethânia está num cômodo, é difícil olhar para outra coisa que não seja Maria Bethânia, então foi só um olhar mesmo.
E o show acabou. Caio ainda se recuperava do baque de ter vivido aquilo quando alguém tocou seu ombro. Enquanto ele estava na rua esperando o manobrista trazer o carro do amigo, o mesmo homem que não tinha vergonha de ser feliz o cutucou e soltou uma frase que terminava em um ponto de interrogação. Não pediu o número de telefone. Disse que se chamava Wesley e o que perguntou foi: “Qual a sua arroba?”. Caio franziu o cenho. “O nome no Instagram.” Caio passou, por mais que seu perfil fosse um território abandonado, com um punhado de fotos de viagens velhas e de gatos ainda filhotes, que hoje já estão crescidos.
“Não achei que ele fosse mandar mensagem. E, se mandasse, achei que ia me chamar pra uma festa em galpão enferrujado na Barra Funda.” Previu que o jovem fosse convidá-lo para tomar vinho de garrafa de plástico nos degraus da praça Roosevelt. Mas a proposta foi ir jantar em um bistrô centenário no largo do Arouche. Caio foi. E se divertiu. “Foi ali que eu descobri que o Wesley tem a alma velha. É mais velho que eu”, diz Caio. Daí pausa e de novo volta a fazer piada com o que acaba de dizer. “Quer coisa mais tiozão do que namorar um moleque e dizer que ele tem alma velha?”.
Caio e Wesley estão juntos desde então. Você não vai ver os dois na rua numa noite de sábado. O programa predileto do fim de semana é ficar em casa vendo vídeos raros de apresentações de cantoras como Maysa e Elizeth Cardoso. Vez ou outra eles saem da toca para ver alguém cantar ao vivo.
No próximo show, Caio promete que vai viver e não ter vergonha de ser feliz. Até o fim. E assim será.
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