Mariana me escreve com uma pergunta que me assola desde a adolescência: “Como sobreviver sendo uma emocionada?” Tal questionamento me lembra a masterclass sensacional a que assisti ano passado com o escritor David Sedaris, conhecido por sua obra autodepreciativa.
Na aula, David indaga o que um sujeito que não é escritor faz com as dores e os perrengues do seu dia. Ele conta que, por mais triste e irritado que tenha ficado em situações desagradáveis, sempre celebrou “em algum lugar de sua psique” todos os foras profissionais e amorosos que levou.
Em meu micro-mundo, me identifico com o fascínio do artista em ser um personagem. Além do prazer que tenho em me esculachar em público, expondo meus defeitos sem ressaca, já tirei proveito literário dos meus piores momentos lidando com amigos, companheiros e familiares.
Meus leitores, corajosos sobreviventes do meu trabalho autorreferente e histérico, sabem que levo muitos desaforos para casa. A minha casa é onde está meu computador e a possibilidade de esquadrinhar uma cena pela linguagem, para que ela ganhe forma e deixe de ser um pica-pau fantasmagórico cutucando meu fígado.
Quando brigava com uma amiga no ginásio escolar, sabia que precisava criar uma casca protetora para meu jovem corpinho em carne viva. A ironia me pareceu a única saída.
Se você me vê tirando sarro da cara de alguém que aparentemente gosto, talvez eu o ame profundamente. O núcleo duro da família da minha mãe só suportava conviver uns com os outros porque tanto sentimento podia ser abrandado pelo deboche.
Mas, Mariana, acredito que o que você realmente pergunta é como ser uma mulher emocionada em um mundo com tanta gente “cool”. Para começar, fuja dessas pessoas: discretíssimas, que assistem esportes, que moram 15 anos em outro país e não são angustiadas, e que trabalham no mercado financeiro.
Me ajuda muito ler livros, ouvir músicas ou assistir filmes e séries com protagonistas emotivos. O pertencimento nos embala e depois nos devolve à selva de pedra. Recentemente, retornei a artistas como Jeff Buckley, Antony and the Johnsons, Adele, Nina Simone, Timothée Chalamet e Bridget Everett.
Em suma, Mariana, vai dar sempre tudo meio errado. E o que fazem os não escritores com isso?
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